segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A ARTE que salva

“Quem faz um poema salva um afogado”, verso de Mário Quintana, poetiza, lindamente, o grande papel da arte na formação do sujeito e na capacidade de nos impactar. Como leitora visceral e uma apreciadora das artes, não conseguiria conceber um mundo sem a presença de objetos artísticos.
O cotidiano, muitas vezes, nos torna mecânicos e ressequidos, acrescentando em nossas vivências cascas, orifícios e calos de banalidades, desesperanças e desapegos. Mas, a arte nos sugere o contrário: um novo contato com o real, uma nova forma de reinaugurar verdades.
Como não repensar aspectos do psíquico humano sem as obras do magistral surrealista Salvador Dali, como não se estranhar com os novos traçados de figuras e objetos a partir da visão cubista de Picasso, como não se indignar e ressignificar aspectos da sociedade por meio de Machado de Assis e como não ampliar questões da linguagem, do psicológico e da mundividência através de Clarice Lispector?
A arte é que amplia nossa visão de humanidade, nos retirando do senso comum. Ela nos dá a oportunidade de inventariar novos aspectos da tão “dolorida” vida humana, recriando significados de liberdade, justiça, beleza, refinamento estético. Para se livrar do caos e da danação há necessidade da arte.
As diferentes formas de concepção de arte minimizam a ausência presente no indivíduo, ampliando seu olhar para o mundo, para os homens e nos fazem comungar com as emoções, com sensações inauguradas. É a arte que redesenha o imponderável, o impossível, o desconhecido, o inconsolável. Entre percalços e escuros, ela torna-se a lâmpada dos sonhos, a responsável por incitar, assustar, incomodar, filtrar, o grito que, por tanto tempo, manteve-se emudecido e intacto em nós.
Não conseguiria resistir sem arte, sem as letras e melodias de Jobim e  Buarque, como tantos outros poetas e músicos que nos retiram do comum e nos conduzem a novos cenários, a salas e sótãos esquecidos, a dimensões até então não encontradas.  A arte proporciona o encontro, a descoberta, o impensável, e, ressignificando Cruz e Souza ( Cavador do Infinito), ela é a eterna busca do sonhos, dos insondáveis, daquilo que a realidade “crua e nua” não é capaz de nos devolver ou emoldurar.
Considero a arte a responsável pela janela quando me falta ar, quando as palavras calam, quando me sinto pesada ou dura demais. É a arte que me livra das “mortes” e me permite ressuscitar muitas vezes, costurando meus remendos e traçando novas dimensões para minha essência.
A arte nos liberta das escuridões cotidianas, resgatando-nos do abismo, dos medos, do silêncio. Ela é a reinvenção das possibilidades, aproximando-nos do que nos torna mais humanos e amenizando nosso caos. É a arte que nos permite, parafraseando Quintana, vir à tona de todos os naufrágios.









Nos Desvãos da Pós- Modernidade


Nunca se produziu tantas informações no mundo como nos últimos anos. Mas, nunca vimos uma anestesia intelectual como agora. Há uma repetição de modas e costumes, de pensamentos e discursos, costurados em tecidos baratos e desgastados.
Ao ligar a TV, damos de cara com os rostos montados, em corpos moldurados em academias e dietas, que apresentam as mesmas falas alinhadas a uma vida hedonista. São cascas de frutos nada comestíveis. Triste também saber que as músicas mais vendidas evidenciam um cenário “perigoso” e superficial demais, tratando, muitas vezes,  o amor e a mulher como mercadorias de supermercado e promoções de shopping.
Nossos jovens, possíveis leitores, preferem passar seus dias postando em redes sociais suas ideias mal alinhadas em uma língua distante do que poderia se conceber como a língua portuguesa, tão amada por Pessoa, Drummond, Lispector, Adélia e companhia. Não sou contra o “internetês”, que fique claro, mas a favor de um discurso eficiente.
Nas escolas, identificamos um desgaste intelectual. Os alunos ditam palavras, sem saber lê-las. Não reinventam discursos nem inauguram opiniões acerca de um tema, uma situação-problema tão presente em seu cotidiano. Não conseguem significar o que acabaram de “ler”, em contrapartida, repetem, com veemência, o refrão de uma música que, olhe lá, tem dois versos e uma rima  “coração com paixão”.
Quando navegam neste imensurável  mundo virtual, olhando diferentes discursos, não conseguem emitir uma opinião concreta sobre aquilo que viram; se perdem entre figuras de corpos sarados , “posts” sem coesão e coerência, que remetem a  um marasmo intelectual ou à  felicidade comprada em revista.
Nesta complexa pós- modernidade, há uma busca pelo imediatismo, pelo novo que não pode envelhecer, pela ausência de confronto, pela ausência de profundidade. As notícias disseminam-se, em milésimos de segundos, e, muitos de nós, não sabemos o que fazer com elas.
Não se consegue dialogar com as manchetes e  os artigos, nem tão pouco asfaltar essa via de acesso entre a informação e o conhecimento. Parece-me que, queira eu não estar tão certa assim, embarcamos em um navio, com um mar calmo ,embora profundo, sem estarmos certo da direção e sem sabermos utilizar os instrumentos necessários caso haja uma tempestade, uma fúria do mar.
Pensar exige confronto com o desconhecido, com o imponderável, com o que está bem mais à frente do que os olhos podem ver. É reinaugurar alicerces  e reinventar linhas de acesso, caminhos entre o que é dito e significado.
E significar, neste período de tanta banalidade, torna-se ato corajoso. Fugir da mesmice e construir olhares, pois muitos costumam ver da mesma janela, tornam-se o desafio mais prazeroso que podemos experimentar.  Uma boa música, um bom texto, um discurso com propriedade revelam faces do melhor que podemos ser “porque a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.”*
*verso retirado do poema Reinvenção, de Cecília Meireles.


 Entre Perspectivas e Esperanças


Segundo o site Wikipédia, sociedade pode ser caracterizada como um grupo de pessoas que compartilham propósitos e costumes, dentre outros, constituindo uma comunidade. Logo, somos resultado de uma construção e interação a fim de alcançarmos o bem-estar. Diante de tantos anúncios de violência, corrupção e perversidades, temos que desenho social?
Acordamos todas as manhãs, assumimos nossos postos de trabalho, reiventamo-nos, e nos resignamos também, para que alcancemos progresso e consigamos arcar com nossas responsabilidades. Acreditamos, com o despertar do Sol, ser possível aprumar  arestas e percalços. E, neste andar, compartilhamos desejos de dias melhores.
Presenciamos, nas mídias, a degola de nossas perspectivas e de nossos anseios quando lemos ou escutamos que os preços sofreram novo  aumento, que “aquele” representante está envolvido em esquema de corrupção, que morreram milhares no trânsito ou nas disputas do tráfico por mais poderio. Vemos anunciada a decadência social, e uma melodia ecoa em nossos ouvidos que os homens se embrutecem demais.
Pego-me, continuamente, a máxima do meu querido bruxo Machado de Assis de que viver requer tirar do maior mal o maior bem. É tarefa de confronto, mas necessária à espécie humana. Não esqueçamos que somos seres vivos adaptáveis, mas nada de anestesia.
Vivemos em grupo porque nascemos sociais. Temos necessidade do outro, da sua convivência, do seu amor, embora sinta, em muitas ocasiões, um desamor agudo. O embrutecimento do homem e a falta de altruísmo nos chocam e devem ser combatidos diariamente.
Não podemos consolidar a corrupção como parte da política, a ignorância como parte da pobreza nem tão pouco o mal como parte da sociedade. É nossa grande luta:  ser sociedade. Construir bons laços, bons apegos e novos sorrisos.
A dor alheia deve nos comover, a violência nos causar repulsa, a desonestidade nos incitar mudanças. Nesses embates, que devemos nos tornar sociedade, compartilhando nossos sonhos de dias melhores   (porque eles vêm, mesmo sorrateiros, mesmo aos berros) e são os dias bons que alimentam os tempos difíceis.
Em momentos de decisão, de escolhas políticas, acordemos as esperanças, levantemos do sono o desejo de um dia novo. Todavia, não sejamos aliciados com ideologias hipócritas e discursos de acomodação. Há que se pensar, questionar com expectativas, com o “coração robusto”, pois, assim, o mal ganhará menores contornos e seremos uma sociedade mais humana.


domingo, 26 de outubro de 2014

A Felicidade do Conhecimento


Recorro sempre a um poema da “minha” Adélia Prado quando, muitas vezes, pego-me frustrada ou descrente. Ensinamento (poema) trata de algo mais puro e fino que o homem pode alimentar: o sentimento. E é isso que sempre alinhou minha história, a escolha da minha profissão. Tenho muito orgulho em ser professora, e também sei da gigantesca responsabilidade em instruir, em revelar cenários e preparar os voos.
Rubem Alves dizia que há pessoas que nos fazem voar, dando-nos vontade de ir às alturas e, nisto, vejo a figura do professor. É nele que nasce nossa vontade de plantar flores, escrever poemas, reinventar formas de felicidade, acreditar no improvável e ir acima das nuvens.  Por meio desta figura emblemática e iconoclasta que nos encorajamos a abrir janelas e aprender a voar.
Sem conhecimento, não há sociedade que resista aos confrontos, aos embates e ao caos. Somos dependentes do conhecimento para que se viabilizem a liberdade, o sonho, o desejo, o gosto por viver. E somos conduzidos a ele pelas mãos do professor, pelo olhar daquele que amplia nossa capacidade de ver, nossa capacidade de percepção.
Não desejo problematizar a realidade dura deste profissional, que são muitas. Se pintarmos os espaços de cinza, nunca veremos outras cores, e ensinar é profundamente alegre e colorido. É provocar ideias, trazer à tona emoções, é dar ao outro a beleza de ser humano, pois somos mais belos e humanos quando aprendemos.
“Educar é provocar a alegria de pensar.” E pensar nos liberta do comodismo, do condicionamento, da opressão. Pelo pensamento, inauguramos espaços e caminhos, até, então, nebulosos e opacos, e nos libertamos  do casulo. Construímos experiências que nos desenharão como sujeitos e homens por toda a vida.
E é o professor que conduz a metamorfose, fomenta o olhar para além dos olhos. É pelo seu discurso que reivindicamos um mundo de esperanças, de homens altruístas, de menos asperezas, de menos medos, de menos pobrezas ( principalmente as intelectuais) e superficialidades. Nele, construímos as pontes entre os homens e a sociedade, entre o pensar e o fazer.
Ser professor é mudar sempre a alma de casa, habitando naqueles seres que desejam também ver, além das cortinas, das fotografias, dos quintais. É tornar os discursos e as ciências mais vivos, mais significativos. Ser professor é oportunizar a aprendizagem pelo afeto, é ser a felicidade do conhecimento.