segunda-feira, 25 de janeiro de 2016


A felicidade sempre agradece
Por Simone Lacerda
Entre corpos e pernas que passavam ligeiros,
corações  envelhecidos na rigidez cotidiana e
feições em cicatrizes,  
vi em quadro, pendurado na parede suja,
a frase: Seja feliz!
Como sentença e solução imediata,
senti a possibilidade de bálsamo
e tempero saboroso para os dias em branco.
Ressoou por muitas datas esta frase
e reencarnou o gosto do sorriso.
Estanquei cortes inflamados
e cancros que se rebelavam nas dores.
As palavras penduravam, como enfeites,
afetos em mim.
Felicidade é ousadia desprendida.
É fino trato e afago nobre.
E perpetua esperança,
tão rareada nos tempos de dureza.
Sorrir é ser solidário com o olhar do outro e suas partes.
É aformosear cenários da vida
e trazer essências amanhecidas.
E ser feliz é ter ousadia saltando de dentro.
E falta de tempo para madrugar medos.
Logo, apanhei a frase interna
e rabisquei  todos os cômodos.
Percebida que traria cheiros
e canções para minha alma menina,
estendi a cartas,aos versos e a quem passava.
Fui louca, estranha e até engraçada.
Mas, de tanto dizer,
vi  perpetuados ouvidos e dizeres.
Já propagavam muitos: lá vem a insana com sua poesia bacana.
Vem  trazendo festa com o tal de ser feliz.
E, sob os tempos de Sol e estrelas,
distribui os recados da nova ideia.
E de parede suja, de quadro torto,
brotava  o bem inadiável,
 a emoção etérea,
o visgo perene da humanidade.
Seja feliz!

( Pendure em você! A felicidade agradece.)

*texto publicado na Revista Você Mais( dezembro de 2015)

terça-feira, 5 de janeiro de 2016



Estômago Vazio
 “ Não quero a faca nem queijo. Quero a fome.”Adélia Prado
Aproximo desconfiança de quem só come pelas beiradas. Gente que alinha passos nos filetes e nem estende a margem. Viver é preciosidade, feito pedra preciosa tirada do limo, sendo necessário esfregar bem as mãos, limpar, polir e encerar. Penso, logo, em minha vivente-poeta Adélia Prado que sintetiza a vida  como sinal de boniteza; uma delicada engrenagem.
Sim, o movimento é que garante a vida. A dança que provoca o cosmos, faz a gente acreditar na fé e trazer muitas flores para a esperança, minha companheira de longa data. É dela que retiro o pó dos dias, refaço os rascunhos esquecidos na gaveta e arrumo, com precisão e detalhes, minha bagunça amanhecida.
Trago Adélia entre meus versos e dou para mastigar suas palavras. Gosto quando poetiza que dor não é amargura. E que sua alma nasceu desposada. Dor e alma tendem caminhar em estradas próximas, trazendo espinhos para a carne, o que traz invenções para meu jeito de apanhar alegrias e enterrar, no fundo de casa, aquelas tristezas danadas. 
Sou dada a poesias, costumo engoli-las em doses homeopáticas, mas gosto mesmo de apreciá-las como prato feito, engolindo, vorazmente, porque costumo ter muitas fomes, em todas as horas do dia. Como amor com preciosidade, sentindo cada pedaço para que traga para o coração as vitaminas necessárias.
E saudade! Ah, saudade mastigo, delicadamente, com medo de escapar... aí, não a terei mais e ficará o gosto inexato da ausência. E ausência está sempre no prato como tempero, pimenta forte e verdura mal cozida. Além disso, o medo deixa a comida salgada demais ou traz aquele dizer insosso. Tira o desejo!
Sei que viver faz a gente rasgar as costas em paredes rugosas, com pontas salientes, que chega sangrar e, escorrendo água, a dor triplica. Por isso, tem tanta gente querendo comida light, sem peso, parede lisa, bem amassada, podendo passar  sem qualquer sentença de risco. Gente que nem deseja sobremesa e bebida. Gente que prefere criar o óbvio e nem se culpa por não conhecer a poética adeliana.
Mas, prefiro correr o risco dos dias coloridos e das fotos em PB. Prefiro o visgo das horas, mesmo que tenha espectros sondando as tarefas. Não negligencio a caos nem o paladar amargo. Também sou capaz de equacionar a felicidade e inventar trejeitos de alegria. Trago seivas de esperança nos olhos mesmo estando soturnos. Mulher nasce desdobrável, responde Adélia para mim.


* Texto publicado na Cachoeiro Cult, novembro de 2015. 






Cachoeiro de Itapemirim, 29 de dezembro de 2015.

Prezado Tempo,

Estava para escrever para o senhor há muitas épocas, mas, como fiz com muitas coisas, deixei o senhor passar e delimitar a hora exata para que eu pudesse registrar algumas considerações sobre suas atitudes. Sei que este ano não foi fácil para ninguém. O mundo e o nosso país passaram por problemas complexos, ainda, sem resolução.
Todos dizem que o senhor é o determinante para todas as coisas, sejam elas boas ou ruins. Dizem que somente o senhor é capaz de resolver os grandes dilemas, basta nós esperarmos sua atuação. E ela, muitas vezes, eu acho, é lenta como gota que escorre de folha de orvalho em dia de geada. Outros, a seu favor, falam que age no momento propício, quando tem que ser, sabe.
Sei que nós vivemos em sua função, determinante para indicar a hora do trabalho, o momento de dizer coisas do coração, o momento exato para abrandar aflições da alma. Logo, sua importância é vital para que consigamos sucesso, fracassemos e superemos os males.
Neste momento, no qual as pessoas renovam suas esperanças, tentando deixá-las mais bonitas e familiares, o senhor torna-se de suma importância para que se plante o futuro. É comum nestes dias pontuar o que foi enriquecedor, foi bom ao coração e à mente e o que deixou marcas doloridas e inflamadas. E, aí, o senhor, novamente, atua como bálsamo ou como um veneno.
Queria dizer que este ano reinaugurei muitas coisas em mim. Com o seu auxílio, superei os muros que teimavam cercar a minha casa, aproximei afetos e pessoas e dimensionei minha função nesta sociedade ainda que injusta e impetuosa. Experimentei cenários e nem neguei meu papel feminino e minha poesia. Tenho que agradecê-lo por tudo isso.
Agora, o senhor nos dará um renovo; uma possibilidade de reconstruir um presente melhor, com ideais de igualdade, felicidade e paz. Realmente, senhor Tempo, é o que todos queremos. Apagar o que nos deixou acinzentados e amargos para que, nesta nova etapa, haja coloridos, arco-íris em nossos céus.  Queremos muito que o senhor nos ajude a sermos sujeitos melhores, menos toscos e individualistas e mais solidários, amorosos e  complacentes.
Desejamos também que o senhor seja mais compreensível conosco. Seja paciente com nossos erros, fazendo-nos entender as lições tiradas a partir deles, pois, acredito que poderemos ser humanos mais reflexivos e ponderados nos pensamentos e atitudes, vendo o outro como parte de nós.
Espero que compreenda a carta, haja vista a necessidade de expor meus sentimentos e minhas opiniões, como também meu grande sonho de ter um ano novo mais feliz, com conquistas e vitórias capazes de me transformar em uma pessoa mais forte, justa e humana. Sei, coloco aqui, que isso também é o desejo de todos os meus semelhantes.
Deixo, ao senhor, um abraço de vida e agradecida por tudo que fez por nós!

                                                                                  Simone Lacerda


* Texto publicado no Jornal Espírito Santo de Fato, 29/12/2015.