Placebo
Depois de
muito tempo, dei para considerar. Acho razoável respirar e visitar o objeto
novamente. Nada mais justo que dar um tempo a si mesmo. Ser maleável com
impressões, falas, mesmo que imponderáveis, com raciocínios distantes dos seus
e falta de certa sensibilidade. Antes, poderia entrar em histeria; rasgar o
verbo e a roupa só para expressão, mas não vale o "drink", não compensa a tarde
maldita que costuma ganhar noite adentro. É tão mais sugestivo se embebedar de
tempo. Aparar recortes e sentar à espera de si. Sei que a placidez é pesada no
início, mas vai ganhando marés, o vestido se ajeita ao corpo, o sapato se
alarga e, nesta linha, ganham-se anos-luz de sobrevivência, menos dor de cabeça
e gastrite. Tomam-se bem menos remédios e a ansiedade vai perdendo feições. Os
efeitos da sociedade contemporânea vão se derretendo e a gente estende mais uns
anos. E esses anos fazem uma falta; temos mais a gargalhar, contar aqueles casos
bizarros inventados ou nem tanto, resplandecer mais nossos traços ao fim da
tarde e viver as emoções de uma viagem já querida há anos. É deixar passar,
não franzir muito a testa. Permitir que o seu trânsito se desafogue é vital para
costurar as vivências. Lançar maiores dignidades ao que requer percepções e à alma é substancial para que não se desconstrua em medicamentos,
áreas hospitalares e esperas vazias. Respeitar os planos de vida é dar
garantia de felicidade, embora não tenhamos certeza de quase nada. Mas, não
custa desfazer os nós e as gravatas, tirar o salto que incomoda e dançar bastante
e descalço. Afrouxar os padrões diários e estreitar a relação da alma com o
senhor tempo se constituem como “caráter de urgência.”