Estrelas e Helenas
Helena
nutria a encantada mania de apanhar estrelas. Por mais que o céu fosse
profundo, denso e de difícil acesso, lá estava, nas pontas dos pés, pegando
suas estrelas. Colava-as em seu vestido rodado e florido, pendurava nos seus
cômodos coloridos, às vezes de cabeça para baixo, depositava debaixo da cama e
sempre as levava para o jardim. Segundo ela, com seus pensamentos fugidos do
comum, as flores sempre pediam.
Mesmo
gostando de amanhecer, Helena mantinha essa história de amor com esses corpos
celestes. E era intrigada por que elas não acompanhavam o Sol. Talvez, dizia ensimesmada,
teriam receio do brilho ensurdecedor, do calor sem apaziguamentos e do excesso
de luminosidade que as manhãs traziam.
Nessas
indagações, era comum Helena não se importar com a noite. Sempre pensou nas
escuridões deixadas em sua existência e nas perplexidades construídas. E via
que existir era construir e tocar estrelas, de belezas raras. Acariciava, junto
com os sonhos, um gosto purificado e necessário pela poesia e pelo amor que bradava por esses astros de luz e calor próprios.
Para
Helena, não havia distinção em escrever e ler poemas e retirar estrelas do céu.
Parecia que tudo se misturava na sua condição de humana atrevida. Quando saía à
rua, com estrela colada e gosto de poesia na sua boca linda, era olhada,
estranhamente, e não compreendia o absurdo da humanidade.
Mas,
não era de abaixar os olhos e lá seguia. Era costume gostar de visitar os
locais que ninguém apreciava. Era costume sentir o que a humanidade inteira não
entendia. Sabia ela da sua condição não linear. E descobriu, nas incertezas, o
tanto de amor que carregava e o
fundamento disso. Seu mundo, acreditava, era artesanal, de espécie não
comprovada, entre céus, estrelas e constelações.
Costumava
também espreitar belezas acima das árvores e jardins e arquiteturas em
construção. A beleza é fabricação inacabada. Gostava de construir palavras e ver
os seus versos intermináveis. Admirava-os ininterruptamente. Por isso, sua
danação teimosa de segurar estrelas. Alguma, com geometria, beleza e encanto,
ainda estava por conseguir, delirava.
Helena
e suas estrelas. Helena e sua poesia. Helena e seu gozo pelo não experimentado.
“As estrelas gritam no meu corpo dourado e adocicado/ elas enobrecem o espaço que,
por ora, era cinza e amargo, e me deram uma beleza/ E apanho-as para que minha
alma respire.” Sua poesia que cobria o corpo e dilacerava sua alma estrelada
era crescida para caber nela e nas outras partes, para se agigantar em meio às palavras.
Ela acreditava que poesia sempre corria para o céu. E sempre haveria motivos e
pretensões para se alcançar mais estrelas. Sua função de pegá-las duraria por
tempo indeterminado.
Texto publicado na Revista Cachoeiro Cult, ano IX, n°54 outubro de 2015.
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