sexta-feira, 31 de julho de 2015

PALAVRA ACESA


“ Tinha desejos incontroláveis de riscar o papel, latejavam seus pulsos para que a sua voz contaminasse a escrita. Serenavam verdades e as palavras amaciavam suas ideias...”. Dia 25 de Julho é o dia do escritor, mas considero todos os dias como o dia daquele que precisa sentenciar toda a sordidez e beleza humana por meio das palavras, transformando significante em significados (Saussure),  sonhos em possibilidades.
O escritor é aquele que se coloca como o porta-voz do imponderável, daquilo que deve ser dito, porém, por muitas vezes, é enviado para os subterfúgios. É capaz de desnudar o que se coloca diante de nós, mas que negligenciamos. Ele é o precursor das certezas e indagações que precisamos conhecer. Sem o escritor, não há registro, não há aspirações. E sem as vontades e os sonhos, morremos entre as cinzas e os vácuos que nos contaminam todos os dias.
Como sujeitos, colocamo-nos à beira do precipício, vivendo a dicotomia da liberdade e do conformismo. E é a escrita que amacia, costura e ao mesmo tempo corta nossa pele bem no profundo para que a dor nos faça reinventariar anseios e o embate. Não há mudança sem palavras, sem a evocação de discurso.
É a palavra que possibilita o voo, possibilita que cavemos o infinito. É o escritor que inunda o caos tão necessário para que deixemos o repouso e a anestesia, injetados várias vezes em nossa alma, para que anunciemos homens dispostos a pensar. Homens dispostos a vencer a danação humana e que se tornem famintos. Uma fome que, de modo algum, deve ser saciada.
Escrevo porque tenho uma fome que não passa. E, por conta dela, desejo que o outro não se sacie. Desejo que o outro se contamine e que, para isso, não haja cura. Escrevo para que o outro tenha sorrisos, mas saiba o porquê das gargalhadas, desejo que o semelhante tenha poesias nos olhos, invisto para que você tenha grito e não renuncie a voz. Escrevo para que a vida ganhe sossego e que nossos pensamentos tenham desordens, pois eles alimentarão mudanças.
Não quero que você seja lampejo, que tenha luz branda e passageira. Desejo que entre em brasa, erupção incessante. A escrita queima, evoca e emancipa. É o devaneio das realidades; a certeza das problematizações. O escritor é o ourives das joias mais raras, das belezas jamais inauguradas, dos hemisférios jamais indagados.

Ser escritor é ter a lâmpada para o que ainda encontra-se adormecido, escuso, preso, empoeirado. É ele que não deixará que renunciemos as nossas quimeras, é ele que trará o carvão para que mantemos a fogueira em meio a tantos invernos. O escritor é a poesia de um dia melhor, pois é a escrita que revigora,  abastece e acende nossa alma. 

Ausente pós-moderno


Naquela segunda- feira, como era rotina, subiu as escadas para adentrar o local tão somente, antes, imaginado. Ali, gostaria de ouvir os melhores verbos e as expressões mais doces. Fazia questão de se apresentar o mais lindo possível para o encontro tão detalhado minutos antes.
Sem pestanejar, trocou de perfume, mordeu frutas roxas e vermelhas, desamassou sua camisa e verificou a carteira. Não poderia se desenquadrar do cenário, tão bem colocado e com mobília recém-comprada.
Sentou em um sofá com aspecto acinzentado e recriou a chegada da pessoa para habitar o espaço, tão bem construído em seus recentes desejos. Tudo deveria harmonizar-se para que houvesse, certamente, uma chegada.
Ao ouvir cadência de passos, revigorou, em si mesmo, as sensações que mais trariam para si um gosto de felicidade. Tendenciou não  reagir a sua chegada, mas as mãos suadas desvendavam tal proposição. Era quem esperava, por mais que acreditasse nas tantas mentiras, mas, que para seu corpo de homem, representasse um querer por certo ordinário e com riscos de contentamento.
Percebeu no corpo, tão definitivamente feminino, um gosto amargo de quem não estava confortável no tal encontro. Trocaram restos de palavras e, sem explicar, disseram coisas da estação; falas do cotidiano inventado por ambos.
Ele estava gritando por dentro, é certo. Nas quinas da casa, não se sentia a presença dos dois. Eram solitários que desenhavam companhias, eram seres que não concretizaram o olhar. Depois, de várias tentativas, as vontades foram dissipadas.
Ele desceu, com maestria, as escadas que, por um tempo, quis pisar e , nesta exata hora, tornaram-se percalços em sua garantia de um amor tranquilo. Importou-se menos consigo e com possibilidades de um sorriso. Era um homem perdido nas tardes, nas inconstâncias de uma invenção temporal  pós-moderna, nas ausências que determinaram acontecer.


 * Texto publicado no Jornal Espírito Santo de Fato ( 19/07/2015)