quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Felicidade meio clandestina

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" Eu não faço literatura:eu apenas vivo ao correr do tempo. O resultado fatal de eu viver é o ato de escrever.” Clarice Lispector
É com esta frase que inicio este discurso, que por ora chega-me tão despretensioso, de flores, de ventos que o libertam ou de anseios que fazem questão de prendê-lo. Não sou a mais sábia nem medíocre que não possa dar asas ao que insinuo escrever, ao que pretendo trazer para perto ou afastar de mim.
A escrita, por vezes, é cambaleante, desliza entre pedras pontiagudas, atropela sonhos tão bem guardados e segue sem esmorecer, sem qualquer intenção de resgatar esmolas de um tempo. Ela é alinhada ao que eu vivo ou pretendo, ao que aguardo e ao que deixei escapar, escorregar de mim.
Graças a ela encontrei portos e soltei amarras, atraquei e resolvi guiar marés. Dei de acreditar em tantos símbolos e me tornei tão cética com sentimentos. Ela me devolve o que perdi há tempo e me arranca as precisões que cultivei com tanto zelo.
Graças ao seu arsenal e sua ausência, aproximo de mim e me alieno. Bordo elementos factuais e enovelo metafísicas, agrado plateias e escapo com minha fiel solidão. Dou de gritar com força uterina com as palavras que me aproprio e nego sentenças de existência até minha próxima morte.
Não sei nada nem creio ter. Não canto o vindouro e  nem decreto poemas guardados em gaveta. Sou apenas a incerteza que perambula nas construções menos observáveis. Não há mundo em tijolos, organizado com cimento, nem há o que recolher com as mãos. A vida é apenas isso; o que sempre nos aguarda.
Minha escrita tem me levado ao acampamento de outras possibilidades. Ela tem amansado o que explode e tem me provocado a ira.  Não melhoro meus alicerces, sou a invenção do que não me propus ser. E por conta do caos instalado e do afeto nas manhãs de inconstância, escrevo, lustro o papel com palavras adocicadas e aquelas com fel, que não cicatrizam a boca e nem o mais leve coração.
Em um sábado de dezembro, fui agraciada pelo que permeio e sedimento, ou pelo que estrago e desconstruo. A coletânea “ Esse oficio das letras”, publicada pela Editora Cachoeiro Cult, trouxe minha primeira passagem, meu ensaio inaugural no campo bibliográfico.  Pude, por meio deste livro, significar e reestabelecer o tão importante papel que a escrita tem em minha vida, nas minhas camadas mais densas.
Vi que, mesmos sujeitos errantes, com tanto a dizer, mesmo com tantas faltas e lacunas, temos a palavra como elemento de coragem, de catástrofe, de amor e de desordem. Temo-la  como semente e folha seca, sedimentada em solo úmido e, por vezes, seco também, como universo pairando e cômodos empoeirados. Ela que nos enlaça, nos aproxima como vi, nesse sábado, e nos dá  a precisa ideia de insaciedade.
Somos mortais demais para desafiá-la, bastando a nós, escritores cachoeirenses, ceder aos seus mandos e relativizar os impropérios da existência, a poesia descosturada nas banalidades, as vertentes que nos sustentam e o afeto que nos permite sentir.  É a escrita- a tentativa de vida- que permitiu a tantos presentes, na manhã de sábado, olhar o outro e reinaugurar importâncias recolhidas de uma prosa, um poema, uma história.
Agradeço a Deus, à vida, à Cult, por alimentar minha escrita e recolhê-la. Recolhida e tratada, escorre no papel e costuma deslizar entre outros olhos. São nestes olhos que perpetuarão tantas palavras e outras que, ainda, desavisadas, permanecem por aí. Sou feliz – ou quase- porque escrevo. Obrigada! 




segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Vaidosa com a vida

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A vaidade caminha por vertentes mais esguias às que estamos acostumadas. Não é uma valorização de banalidades ou o que consideramos fúteis. Tudo bem, sei que existem pessoinhas que são como cascas, sem suco nenhum. Mas, usemos a vaidade a nosso favor.
Ela nos motiva a querer um lugar melhor ao Sol, nos faz acreditar que sempre é possível pôr os pés nas nuvens, reinventar a ordem da vida ou bagunçá-la por alguns momentos. Acreditar na sua capacidade, reconhecendo que precisa ser feliz é uma vaidade boa. Querer que a vida dê uns saltos e muitas piruetas, chegue com suas novidades desavisadas e avance algumas casas no jogo é redescobrir preceitos de vivência não sondados.
Nada de vaidades plainadas no raso, nos vácuos, nas frestas. Nada de vaidades que afloram nas metidezas diárias, nos homens amantes de seus corpos esculpidos nos treinos repetitivos, nas dietas previstas para que passeiem os corpos nas ruas e praias. Não nos abaixemos diante de uma vaidade sem perspectivas, de folhetim de novelas, de livros de autoajuda, de forma sem conteúdo, de desigualdades.
A vaidade deve ser garantia de sonhos adocicados em noite de lua cheia, em hora de encontro com o melhor dos homens ou vice-versa. Em data sem dia marcado, em risada que deixamos escapar do nosso mundo mais interno, das lágrimas que são cuspidas de nosso coração, do velejar de nossas emoções que dá um jeito de dizer, de olhar, de sair de nós.
Vaidade da boa é mais que busca de reconhecimento, de um querer a si pelos olhares dos outros. Assim, somos pegos pelo ego e suas armadilhas tão ardilosas. Apropriar-se dos valores alheios sobre nós e não tornar o mundo menos barato é anestesiar a vida. Torná-la, apenas, mais uma peça de sua decoração, objeto que perderá garantia. A vida é essência demais, é colorido em nuances e rabiscos, é prosa e poesia dançando no tempo e nos espaços, é gente que precisa desabrochar.
Quereria que minha vida não tropeçasse na vaidade sem partido, sem lado, sem gosto. Nada de sobrevivência aquosa, liquidificada, escorregadia, liquefeita, evaporada. Não quero sofrer de desmandos e desejos em retrocesso, não quero alimento sem tempero, discurso de espionagem ou em casulo, fala embrionária ou embrigada.
Minha vaidade- ou nossa- mora nos cenários mais bonitos, nas janelas que abro quando quero Sol, flores e passarinhos, nas tardes de descanso ao pé de mim e junto das certezas e dos pensamentos fugidios, nas noites que só desejo ver o céu sobressaltado, as estrelas irradiadas e a lua que sempre me chama para uma conversa intimista. Quero vaidade que acoberta receios e proclama que o melhor ainda não veio.



Uma quase balzaquiana


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(Henri Matisse)

Ele adorava suas pernas. Quando se levantava, revelava o tecido epitelial com comedidos músculos, mas sedoso e sedutor, diria. Suas pernas se entrelaçavam, poeticamente, não negando o olhar. E nessas idas e vindas, ele fez apostas, compôs versos e até ensaiou um diálogo.
Mas, não seria tanto. Seus passos traziam um empoderamento, uma inconstância que atraía os mais e menos audaciosos. Sua vestimenta cobria o joelho e isso convertia mais seus olhos, embasbacados diante do cenário não visto.
De um lado para o outro, de desencontros, lá estava a moça que lhe arrancou os olhos e, acredito, o coração do solitário homem. Deveria ter uns cinquenta anos. Era o que mostrava as linhas expressas em seu rosto, a cor dos cabelos, o jeito de abotoar a camisa e olhar os transeuntes. Não mais que cinquenta, talvez um pouco menos. E a moça, pelas passadas e pelas curvas adquiridas, não menos que vinte e oito, trinta anos. Isso. Uma quase balzaquiana atravessando o cenário.
Ele a visitava todos os dias, mesmo sem uma palavra. Um bom dia que seja para disfarçar. Ou quem sabe, “ o dia anda rápido”, “ está tão quente aqui.” Nada. Era fervilhante olhar aqueles contornos cantados nos passos. Achava bonito de vê, dava para perceber o olhar colado no andar.
Tenho a impressão que não se passava um dia que ele não estivesse lá. Mesmo que rápido, já que o dia nos consome em tantas questões. Ele se fazia presente, como parte do cenário, para contemplar o que sabia ser a sua musa, não pensada pelos deuses.
Com o tempo, ela passou o olhar, como se os seus olhos escapassem propositalmente. Desejava que não se habituasse ao espaço, cheio de perguntas burocráticas e obviedades sacralizadas.
Ah, percebia-se que ela era devota de literatura fina, sabe. Em sua mesa, costumava ter livro com página marcada, seja com papel amassado ou uma caneta. E, hora ou outra, dava de ler alguma coisa.
Não foi à toa que lhe perguntei o gosto por Machado e Proust. E ela sorriu, acenando, com presteza, afirmativamente. Aliás, poucas vezes ouvi sua voz que se assemelhava veludo. “Dizia”, realmente, quando suas pernas se levantavam a fim de recolher as cópias saídas de uma antiga impressora lá no canto.
Lá, pelas quatro da tarde, de um dia que não me recordo, apareceu o homem com seus quase cinquenta anos. Sentou na cadeira, à esquerda, no fundo, e decidiu permanecer por ali até que o local se fechasse e, enfim, assumido de coragem e amor, se dirigisse a moça quase balzaquiana.
Ela o olhou escondida e incomodada. Sabia de sua devoção. Já havia sondado os olhares lançados quando dava de levantar. Andou descompensada, reticente, diminuída. A contemplação daquele homem a tirava da linha reta, a fazia intolerante a si mesma, ao corpo que aproximava tantos olhos.
O homem manteve-se, à espera de uma lacuna para que, finalmente, revelasse sua pretensão tão nunca e constantemente declarada. Fim do expediente. Guarda de documentos e pertences largados em volta da mesa. Silêncio pertencendo ao espaço.
Ele decidiu se achegar, refutar formas de desesperança e descrédito que a moça poderia trazer. Pulou algumas cadeiras e solicitou informação ao homem do lado com a intenção de amenizar os ares de desassossego. Ela, neste exato momento, não se encontrava.
Mas, pressentia sua chegada. Mãos, trêmulas, revelavam o quão importante se convertia a moça para a sua vida esquecida. Ao adentrar o local, a olhou e viu sua alma escapar com o coração. Ele a viu tão profundamente que o tempo tocou o espaço. Sorrateiramente, ela sorriu e o perguntou: “deseja algo, senhor?”

Extasiado, ele de leve sorriso, ensaiou duas palavras e acenou com a cabeça não haver interesse em nada. Ela, agradecida, despediu-se dos colegas e caminhou até a porta. Neste momento, sua felicidade não desejava mais nada.
* Texto publicado na Revista Cachoeiro Cult, de outubro de 2016.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Deseja-se amor mais próprio
para as tardes mal-amadas de domingo
e as manhãs preguiçosas de segunda.

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Procura-se emprego que
dê felicidade, manhãs azuis e 
que sustente corpo e alma.


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Vendem-se poesias tecidas fio a fio.
Cobra-se preço em rimas ricas e raras e
em gotas de belas palavras.


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Alugam-se ideologias recém-criadas
para os alienados de plantão
e as mentes minimamente inventivas.

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Vende-se coração endurecido,
amargo que causa dó ou
troca-se por amor que adoce a alma.


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Moço bonito, de sorriso doce,
deseja amor 
que inunde  o coração e a vida inteira.


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Moça bonita, de fino trato,
procura um amor
que a encha de poesia.

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terça-feira, 25 de outubro de 2016

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Meu caos diário


Há dias que os nervos fervem. O ônibus lotado, o trânsito que parece fotografia, tamanho estaticidade, as pessoas que nos esbarram em pleno calor e você, ali, fingindo possuir a maior das paciências ( o que não condiz com a realidade) para não transparecer seu estado de ira, de raiva em último grau. Por dentro, ferve-se tudo.
Pensa como seria bom se houvesse menos pessoas na fila que você precisa enfrentar -que penitência!- justamente na hora do seu almoço. Com fome, exausta, cheia de funções a serem realizadas ao longo do dia e a senhora graciosa ainda vem puxar assunto. Ou você se torna”obrigada” ouvir peripécias de uma jovenzinha ditas ao telefone em alto e bom som.
Nesta hora, são necessárias muitas sessões de respiração, ler aquele livro que sempre trago comigo na bolsa, inventando, assim, um bálsamo em meio ao caos do cenário urbano contemporâneo. Ler possibilita o corte do vínculo de tantas coisas e a costura de outras ligações também. O estresse acumulado de horas é resolvido em um relacionamento íntimo com a leitura, percebendo que o mundo é muito mais que uma fila ou a buzina ensurdecedora de um “educado” motorista.
O calor derrete suas ideias e faz de você um ser de cara cansada e sem grandes perspectivas de um dia feliz. O trabalho é outro momento árduo. A impressora quebra, o documento separado no dia anterior para posterior análise não se manteve armazenado no local de destino, seu colega de trabalho resolve acordar com a cara feia, zangado com o mundo e o ambiente se acinzenta, perde brilho e leveza.
O tempo não retira suas cascas, e o horário de partida perdeu-se em outro lugar. Não há como resistir. Você desconta no pobre vendedor de picolé que, por sinal, não tinha o seu preferido e o preço do gelado aumentou de novo, mas meu salário se manteve nos mesmos dígitos. Pobre de mim!
Disse umas verdades a ele. Não titubeei em reclamar do preço e da falta do meu picolé. Ele adoçaria um pouco este dia turbulento e amenizaria essa tendência a calor que tem a nossa cidade. Ele me olhou com olhos estupefatos, desculpando-se, é claro, haja vista eu ser uma cliente “das antigas”. Mas, neste dia, não desculpei. Fi-lo sentir que era o responsável pelo meu dia nefasto.
Acabei por me atrasar na saída do trabalho, procurando o tal documento. Em vão. Deixei para amanhã. Às vezes, é melhor deixar para amanhã o que não pode-nem deve- ser resolvido hoje. Novamente, o trânsito em guerra. Gente reclamando, pedestre que desconhece faixa, buzinas, semáforos que, tenho certeza, duram uma eternidade e eu no meio disso tudo.
Pensei nas minhas últimas férias, nos números da mega-sena que fiz o favor de não acertar, na poesia de Quintana, Adélia e Drummond que tanto amo, nas declarações simples e sinceras ditas pelo meu namorado que tanto fazem bem, pensei na alegria que encontraria em casa quando brincasse com minha bebê de quatro patas, pensei, pensei, e a ira, de alguma forma, neste momento, se abortava de mim.

Mas, lembrei de tudo que tinha que resolver no dia posterior, nas contas não pagas porque o dinheiro não deu, nas injustiças vistas rotinamente, no político que repete os agouros e dá para ver, na cara, sua imbecilidade e suas mentiras,porém, eleito, nas misérias que encobrem tantas vidas, na falta de amor e cuidado com o outro, nas crianças abandonadas. Tantas coisas ou a falta delas. E eu ainda tinha o amor de minha família e de meu moço bonito, nada mais justo que agradecer e respirar fundo porque amanhã seria mais um dia. 

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terça-feira, 11 de outubro de 2016

Pronome possessivo



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Não dividia nada com ninguém. Como dividir o homem que desejava todos os dias com as mais indecentes das mulheres. Não poderia dividir seus pensamentos mais sórdidos com a amiga de trabalho. O que se teceria sobre ela? Como encararia o amigo da repartição depois de socializar seus mais tórridos segredos?
Sim, ela tinha a avareza impregnada na alma. Entre as frestas escapadas de seu corpo, entre os orifícios escapados de sua mente poderiam se revelar suas insanidades, seus devaneios tão precisos, seu espírito de posse, sua visão unilateral, sua não-vontade de dividir comida, dinheiro e sonhos. Seus sonhos eram preciosidades demais para dividir com o outro.
No amor, não aceitava devolução nem compartilhamento. Aquele que a queria e ela o mesmo era mantido, dentro de si, em clausura. Mas, insinuava para que o outro se mantivesse sob esta linha, pousasse seu raciocínio e coração nesta ideia. Nada de soltar pernas e olhares na rua e desse de escapar sorrisos para as belas raparigas. Nada de fugir de seu olhar contemplativo por alguns segundos. O que era dela era costurado em si.
Sua avareza a perseguia em suas andanças pelo seu mundo interior e dos outros em que insistia morar. Cabia tão pouco de si no homem que idealizou de seu, de sua propriedade sem escritura. Era de trejeito ignóbil, mas era provocativo nas palavras lançadas a figuras de seu interesse, conseguia alinhar desejo a certa simpatia. Ela não ignorava o que se podia denominar talento nato.
Assim, ela carecia de ser avarenta, egoísta, mesquinha. E era na sua mesquinhez que o dito amor sobrevivia. Faltava, mas ela supria os vazios na posse, na sempre tentativa de mantê-lo mais próximo possível, nos entornos dos seus dias. Ele era a sua falta de escape, a sua falta de tolerância, a brutalidade que sobrevivia nos seus sentidos.
Nada de desmanchar ou equacionar a liberdade no amor ou na vida que dá um jeito de sempre seguir. Não lhe permitia as mãos e os pés soltos, coração abastado a não ser que fosse com ela, somente com ela, para todo sempre com ela. Carcomia-se por todos os lados, soletrava as certezas mais improváveis e desafiava o direito de ir e vir de todos os mortais.
Sua avareza era sua forma de não se desgrudar da vida, de não se desintegrar diante de tantos caos e violências que imperam no cotidiano. A posse de seu homem, de seu tempo, seus escombros e desejos a permitiam acreditar que o amor é a grande danação, que dá para visitar todos nós. Um dia qualquer, ele costuma bater a porta e, caso não atenda, costuma pular a janela.





quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Corpos, fluidos e poesia







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Em êxtase,

dissemina o cheiro

pernoitam os corpos

disseca o desejo

invoca o toque

e suas impressões deixadas em comum acordo.

Reveem as mãos e os pés marcados.

O som permanecido.

A poesia dita nos delírios na soma dos votos.

Do que se profere enquanto somos apenas um.

Dos risos frouxos e dos olhares encontrados,

enfurecem os sentidos que se aproximam.

As águas que exalam

a alegria escondida no ambiente.

O ar que não nos cabe e, por vezes, sufoca.

As pernas que se esbarram

as outras partes que se veneram.

O ato da alma carnalizado

O alívio que nos torna gratos

O amor que nos sucumbe.

Em delírio, entregamo-nos a precisa poesia.

As palavras provocadas enquanto estamos.

Jorram de nós as inconstâncias

expurgam nossos medos

e elaboram os devaneios.

Inventamos despropósitos

e enlaçamo-nos.

Reinauguramos hemisférios e instâncias

criamos casos e embaraços.

desnudamos sensatez e certezas.

O visgo que engole o beijo

embriaga e revisita as partes entrecortadas.

O amor corporificado entre

fluidos que nos escapam.



domingo, 25 de setembro de 2016

As voltas que a vida dá!



Não gostava que diziam coisas a seu respeito. Sempre preveniu suas palavras e decretava sua capacidade acima da média. Gostava de pontuar até o último instante e tudo que dissessem ao contrário incomodava até seus fios de cabelo. Nada que revelassem alteraria sua percepção quase egoísta e arrogante sobre si e o mundo que brotava ao redor.
Era tudo caso pensado. Suas sentenças eram arrancadas de seu mundo particular e se considerava a maior de todas as mulheres. Errava, desconstruía, perdia e perpetuava, mas não aceitava o fato de ter frestas, haver lacunas em suas ideias tão sugestivas. Soberbamente, era dona de si e de outros.
Era de peso forte e alma inaugurada. Era de desejos e os alimentava. Mantinha-se em sua condição de indivíduo à frente de qualquer tempo. Não acetinava expressões de felicidade nem tão pouco de imponência. No amor, gostava de viver até o último sentimento, até a última esperança. Mas, era de abandonar caso não houvesse comprometimento.
Sua maneira de encarar o mundo e seus dilemas a fazia resistente feito concreto seco, feito tecido que não esgarça. Ela tinha sangue nas veias e aonde mais coubesse. Não esmorecia expressões nem suas emoções mais nobres. Era acima de suas suspeitas e de sua alma petulante.
Ela carnalizava suas intenções mais nobres e sublimava suas ideologias. Era tantas que mal cabiam em si, em suas partes nem sempre visitadas. Nada mais intencional que ser ela mesma, em depositar seu olhar  nas referências mais simples ou nas gentes mais complexas.
Era sua própria tendência, ditando suas modas e verdades quantas vezes se fizessem precisas. Não era de catar migalhas, organizar o que sobrasse. Era de gloriar suas conquistas e aclamar os universos recém-criados por ela. Ela, realmente, se bastava.
Na verdade, sua ilusão era acreditar que nada feriria seu instinto de mulher, nada acorvadaria suas perspectivas e anseios. Querida, a vida está sempre nos surpreendendo e dá muitas voltas.




Temperos prosaicos


Gosto de engolir, vorazmente, as palavras. Gosto de tocá-las, cheirá-las, mastigar com precisão, identificar seus gostos e inundar meu corpo e minha vida com elas. Elas permitem a saciedade, o descanso de meu apetite, embora tenha uma fome que não dissipa, não cala.
A gente pode se esbaldar com palavras que trazem conforto e alegria, palavras que nos confortam e nos afagam o estômago e a alma. Palavras de amor, de perspectivas, de amizade, de respeito nos alimentam, dão para encher nossos órgãos da vida. Ampliam nosso cenário de introspectivas e experiências externas.
Particularmente, gosto de mastigar palavras de imprecisão, incomuns, aleatórias, abundantes, polissêmicas, de fundura, daquelas que muitos não se arriscam. Estes  preferem a permanência no raso, no domesticável, nas verdades que se alojam nas cascas.
Eu privilegio a comida aromatizada, de cuidados, de fino trato, bem disposta nas bocas de quem diz, nas mãos que deslizam para a escrita, para a tecitura dos fios poéticos, para a composição da melodia, para o afrontamento das prosas. Desejo alimentar-me, com gula, para que as palavras recriem meu espaço, equacionem o que parece insolúvel, pouco palpável.
Sei que, neste pecado, deixo de dizer e verbalizo demais o que nem sempre deseja acordar. Têm palavras que querem dormir, repousar em outras já inauguradas, ecoadas em dias de desassossego e penitência. Elas só querem descanso, mas sou excessiva.
Engulo, mastigo, aproprio-me, deixo abastar meu estômago e usufruir da minha corrente sanguínea. Permito que as palavras tomem conta de meu hemisfério, de meu corpo e sensações nem sempre purificadas. Elas exalam o melhor dos aromas, dos cheiros e gostos que se misturam e intercalam em minhas partes mais viscerais.
As palavras me consomem e me abarcam. Elas constituem o melhor dos meus apetites, o pior de minha fome, as verdades  envelhecidas e as que acabam de nascer, o gozo ao saciar o desejo mais carnal e os imperceptíveis. Deste pecado, sacralizo e infernizo os melhores e os piores dias.

A fome que insiste pernoitar em mim. As palavras que me espreitam, me viciam e me fazem uma faminta por excelência. Elas habitam meu cenário em branco, preenchem meus pratos e minha existência, subvertendo os sentidos do que me traz paz, amor, casulo, ordem e poesia. As palavras desejam sempre mais. E eu também.


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terça-feira, 20 de setembro de 2016

Sou das imprecisas penitências.
Das margens que habitam meu reverso,
os outros lados camuflados pelas rugas e nesgas do tempo e espaço.
Tenho desamparos em tantos rostos e versos.
Espreito as ausências que dilaceram minha vida interna.
A alma que teima doer e pernoitar no corpo.
-sem lágrimas ou ventos-
Danoso é viver na espera.
É serenar o amor que visita.
O amor que ampara as palavras.
Os espaços refrescam a casa e minha vontade danada de renascer.
Eu escapo e transbordo.
Sou resistente e insisto em nascer.
Viver dilacera e preenche.
Amarguras são afetos mal curados.
"Vinde que estou cansada"
Esperança anuncia tempos nascidos.
E meu descanso refrigera as imperfeições.



segunda-feira, 19 de setembro de 2016

A vida-morte-poesia

A morte vem visitar o tempo.
E ele desbota com as emoções e os afetos.
E, dentre os fracassos, a gente desgasta.
A gente esgarça feito tecido que apodrece, se perde nos fios.
É tempo dado, doado, perdido.
A vida escorre entre danos e perdas.
E a arte alimenta o corpo, os desníveis e as frestas.
As palavras alinham o escorregadio e o pleno.
Ela embolsa o que não foi dito, o que se esvai entre os achados e sentidos.
O corte que demarca o homem e o seu legado.
As marcas do desconhecido e senhor.
As fendas deixadas nos cantos e espaços.
As esperanças descosturadas.
O amor espreitando nas portas.
A morte e seus embates dentre as cenas e marés.
Dos rios que encharcam a alma.
Das águas que assombreiam o coração.
Das vidas que purificam os homens.
Não há respostas nem tão poucos ventos.
Há caminhos de encontros e finitos.
Há passos e deslaços.
Permanência dos embargos e dores
em prantos de poesia.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016



Expurgo

Cabiam mais e mais de mim neste papel amassado, mas não havia pretensões de certezas na escrita que teimava cicatrizar. Era vontade de desaguar, arder, rasgar o que se fazia pesado aqui dentro. Não tinha mais palavras para serem arrancadas, dilaceradas e amputadas em partes do meu corpo.
Eu agonizava entre os rascunhos já amontoados há dias. Pulsava entre os arrematados sinais de pontuação, entre vírgulas que me deram náuseas. Jamais imaginaria que a pausa traria a presença do desconforto. Uma ponte foi desmanchada e não cresciam em mim as possibilidades de um verso extasiante. Nem um acento, um ponto de exclamação. Era vazio, papel em branco, folhas rasgadas, tela de computador aberta. 
Eu estava calcificada, vítima de completo limo, de letras que escorregavam e não previam uma frase, talvez um esguicho de sonoridades, fonemas que se converteriam em um discurso, mesmo que tosco ou maldito, mesmo que vago ou cheio de pontas.
Nada era o que tinha. Nada era a palavra que cantava para minhas mãos, agora, febril, trêmula, desfocada. Nada era o que me convertia e desafiava.
Nada era minha prestação de contas ao papel, era o que me causava repulsa e me violentava.
Tantas cabiam nos versos de amores mal ditos, muitas se intitulariam nos poemas de conveniência e de falta de justiça. Daria para que partes não fragmentadas pousassem nas lâminas daquelas palavras de avesso, de duas faces ou de significados abomináveis.
Várias se venderiam aos poemas mais sórdidos, às juras de amor não declaradas ou anestesiadas. Algumas não se importariam em servir de rima para os mistérios da alma, do mundo anunciado aos quatro cantos. Alimentariam sua poesia de dor mal curada ou emoção de parto não sentenciado.
Eram tantas que habitavam nos meus corpos amanhecidos e de lua. Eram as que pretendiam morar no poema que não tive, no poema que abortou outros que não vieram. Não tive suas companhias. Nem tive caso mal amado. Meu papel e todas as lacunas mantiveram o estágio letárgico, de plena depuração.








Des( poetizar)


Tem gente que acredita que poesia funde do pranto. Acredito que versos se encharcam de lágrimas.
Mas, poesia também nasce de flores, vida ribeirinha, planos desfeitos e emendados.
Acredito na poesia que traz para perto olhos palavras de terra batida, raízes secas, planta insistindo em nascer.
Sei que os poemas costumam dançar. Gostam de dizer modinhas, músicas dos excluídos, dos que estão no meio da roda, dos que emudeceram.
Poesia é de tanta gente, daquele que costura, gosta de contar feitos e lamúrias.
Daqueles que descansam a alma e dos que riem em alto e bom som. Daqueles que se atiram às paixões e dissolvem- se de todas elas.
Poesia grita, corta, inflama, afaga, perdoa e esquece. Poema salta dos músculos, das mãos endurecidas, pernas que perderam a força, pele ressequida, olhares nobres e tortos, alma que goza e ascende, coração destituído e mirabolante.
Poesia é de contentamento, força, dor, memórias, balbúrdia, vácuo.
É poesia eu dizer, você calar, voz das ruas, casas agonizantes.
Poesia é eu amar, descartar, clamar, deixar e trazer.
Poesia é visceral, astral, surreal, teatral.
Poesia são partes que colam na gente.
Poesia, assim dizer, são espaços habitados e vazios deixados nos corpos correspondidos e instituídos.
Poesia é o querer sem sentido e as insanidades racionais.
Poesia que espreita e conforta.
É desconstrução tão detalhada.
Poesia que digo nas ausências e cheia de si.
A poesia que, sorrateiramente, ecoa,  todos os dias,discursos de morte e reinvenção.




domingo, 28 de agosto de 2016

Entre ventos e varanda


Ela nunca foi dada à felicidade gratuita. Sempre haveria um porquê para tamanha felicidade e infelicidade também. Não era leviana em seus discursos nem displicente com suas emoções. Sabia, em todos os ângulos, aonde chegaria e em que moradas seu coração iria permanecer.
Nada de suavidades, tecido fino, veludo enrolado no corpo. Tinha agulhas, pregos e inchaços na alma. Não era covarde com o desconhecido nem com o que guardava dentro de si. Era danada demais para cicatrizar e, vez ou outra, entrava em erupção. Sabia que não pernoitava no comum. Era sensível, explosiva, presente, vigorosa.
Ela não considerava as conversas atravessadas como bobagens. Aliás, bobagens ganhavam refinamento em sua fala abusada, sem grandes talentos, mas com propriedades. Tinha força o que dizia, mesmo que enigmática e inconstante.
Sentava na varanda, naquelas tardes que ninguém espera, de vento pomposo e folhas ao chão. Mesmo que não brotasse alento, apreciava o que de bom trazia a natureza e seus hemisférios desconhecidos. Era bastante olhar como se nada viesse, como se o mundo tivesse seguido o curso e ela, ali, intacta, roendo-se em dilemas.
Seus membros enraizavam-se naquela varanda. Ficava em vigília consigo mesma. Era uma espera desmarcada, sem pressas para que, em minutos ou séculos, tudo -ou quase- resolvesse. Seus devaneios persistiam sublimados. Permaneciam.
Ela, mesmo calada, causava ebulição em seu espírito efervescente, mirabolante. Sua palavra não lhe causava todos os dias a mesma comoção, nem lhe ofertava conforto. Tinha o intuito de seguir mesmo que hiatos andavam em sua cabeça.
Nada de responder mensagens, e-mails, ataques pessoais, frasezinhas de carinho, acenos gratuitos. Nesses dias, queria o silêncio dos conflitos, a ausência das intenções. Desejava o mundo inteiro em um breve segundo e segregava, por alguns momentos, o melhor dos dias. Era danoso persistir, querer. Inflamava-se.
Nada de comoção ou abandono. Nada de plateia e bilheteria. Queria sobreviver, mesmo que os dias fossem alternados, mesmo que sua felicidade não ganhasse rotina e dias pares. Era preciso respirar, ganhar oxigênio, destampar o que estava lançado no poço.
Ela não queria cenários de domingos, nem semear o improvável. Sua alegria tinha data e hora, tinha casa, Sol, nuvem e estrela encantando o céu. Sinalizava, agora, que felicidade também se equacionava.


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