sábado, 13 de junho de 2015


Fraqueza
Entre os objetos esquecidos,
encontrei partes de nós.
Estavam amontoados em poeiras
e arruinados naquilo que não guardei.
Sequenciei  palavras que gostaria ter gritado,
E tentei acondicioná-las às sensações
colocadas nas caixas.
Vieram gostos desconhecidos em minha boca
e um cheiro de ausência.
Segreguei os elementos
que não consegui engoli.
E fui inebriada por lembranças.
Não consegui descartar o que
considerei inútil.
O amor estava ali.
Um pouco sujo, meio sem tom, despedaçado.
Misturava-se aos outros seres
e ocupava boa parte do espaço.
Adquiri o hábito de mudança
e de sempre mexer no que tinha esquecido.
Tenho dificuldades com o que jogo fora,
Gosto de acumular seres e coisas.
Acabo misturando isso.
Importando-me um pouco mais com um.
Junto partes demais
e não tenho pressa de mexer com elas.
Perco noções de espaço e lido
incrivelmente
com bagunças.
Não consigo guardar coisas por cores, tamanhos, formas,
sempre dou um jeito de revirar.
Tenho vazios a serem ocupados
E esses objetos impedem uma
organização mais elaborada.
As partes encontradas de nós
ficarão, por tempo indeterminado,
haja vista minha impaciência
nos detalhes.
nas ordens.
nas reflexões.
Na incompetência para arrumação.




segunda-feira, 8 de junho de 2015

Meus nobres


Caros leitores, é com grande satisfação que volto escrever para vocês. Passei um tempo, é verdade, sem escrever neste canal midiático, mas confesso que pintou saudade. Até porque escrever é ato inerente à minha tarefa de existir. E como disse Simone de Beauvoir “escrever é comungar com o mundo”, é manter diálogo íntimo com a humanidade e alinhavar todos os fenômenos existentes com a nossa capacidade de percepção, crença e pensamento.
Escrever não é decretar sentença nem tão pouco aprisionar ou absolver alguém ou suas considerações. É alimentar o mundo com experiências inaugurais e reinventar alicerces antes não vistos e/ou ressignificados. Não há produção de conhecimento científico, filosófico e artístico sem atrevimento com a escrita. E é por isso que me considero audaciosa.
Gosto, com muito gosto mesmo, registrar considerações e ditar meus verbos com voz de desassossego. Talvez, seja minha única forma de denúncia e de paz. Sei que fui laçada pela escrita e, por mais que tente me enveredar por outras vertentes, sou abduzida pelas letras e pelas palavras.
E nossa língua é um escândalo de tão linda e rica. Temos um idioma difícil, eu sei, mas de uma poesia... incalculável. Somos a quinta língua mais falada no mundo, com aproximadamente 280 milhões de falantes. É muita gente se expressando na nossa língua, dizendo chatices e obviedades, tudo bem, mas muitos falantes utilizando o discurso para produzir elementos inovadores, poemas únicos, letras musicadas atemporais que para todo o sempre ressuscitarão emoções, discursos impactantes e falas que aproximam as pessoas, trazendo para o coração.
Não tem como não amar a escrita, a capacidade de socializar o que antes adormecia na individualidade. A tentativa, porque somos humanos tentando todos os dias, de tornar comunicável o que muitas vezes perece no não dito, no improvável, no cômodo empoeirado das lembranças, nos cortes da alma.
Dizer é humano. Dizer é apropriar-se do outro enquanto há o colóquio, enquanto há a “conquista” por meio das linhas condutoras das palavras. É desnudar-se e descortinar o que se fazia obscuro atrás da janela, da paisagem pouco observada. É considerar que sempre haverá o que se buscar, querer, idealizar e conquistar.
A palavra redesenha o que foi aguardado, adquirido, querido. E sem reinvenção das mundividências, não há sujeito nem tão pouco homem. O homem que se entende como é porque se emoldurou pelos vieses das palavras, costurou suas ideias às não experimentadas, enraizou seus alicerces a jardins frondosos e solos férteis do discurso.

Enfim, prefiro dizer a me calar. Desejo a escrita como sinal de sobrevivência, como pedido de perdão, como agonia, como dor que necessita ser gritada, como poesia que precisa ser encantada. Amo escrever. É da escrita que sustento minha existência e bebo do antídoto, que me faz cada vez mais forte e humana. Obrigada, meus nobres, pela leitura.  



* Texto publicado no Jornal Espírito Santo de Fato
Contrários


Somos construídos sob as contrariedades. Sabemos o que é agradável, de odor gostoso, de beleza plena porque, em algum momento da nossa existência, tivemos embates com o que nos perturbava ou causava dor e incômodo aos nossos olhos.
Consideramos a felicidade e agarramo-nos a ela visto que, por tantas vezes, dilaceramos nossa alma e arrancamos, hiperbolicamente, nosso coração. Damos valor aos tratados de paz, pois embarcamos em muitas guerras. Endurecemo-nos porque fomos frágeis demais e muitos já se aproveitaram desta ferramenta.
Nisto que o indivíduo é construído: nas dualidades. E, nelas, teorizamos esperanças e acalentamos tempos melhores. Todavia, é sábio validar que os tempos de sangue e de medo fazem-nos  sujeitos muito mais interessantes.
Então, nada de baixar as mãos naqueles períodos de insônia, de cores cinzentas, de casas no tijolo, de descosturas. São nessas neblinas, de vivência na caverna e nesses tempos de frio, que realimentamos nossos ideais e redesenhamos os alicerces, aqueles que sustentarão as nossas casas por muito tempo.
Sabemos reconhecer o doce por conta do sal, do amargo; amamos um bom perfume por detestarmos os odores desagradáveis; acreditamos no bom porque o mal causou-nos dores irreparáveis, com as quais precisamos conviver e não negligenciar.
Lutamos tanto pela vida, por querermos ver estampas de alegria e ouvirmos gargalhadas porque a morte nos sonda e já provamos do seu gosto amargo e suas sentenças. Inauguramos sentimentos do bem haja vista convivermos lado a lado com toda “sorte” de egoísmo, maldade, desesperança, intolerância, desrespeito e abandono.
Clarice, minha inestimável Lispector, abordou, em um dos seus maravilhosos livros*, os quais todos deveriam ler, que precisamos viver apesar dos de, pois é justamente isso que nos impulsiona, nos aproxima do querer o outro lado; o lado que nos seduz e nos faz encantar tanto pela danada da vida.
Aprendamos conviver com nosso desenho das contrariedades; com nossas asperezas e elementos pontiagudos, sabendo que são eles que alimentarão as doses que nos embebedam de flores, leveza, maciez, felicidade, coragem e força, propulsoras das certezas dos novos e bons dias.



*Uma Aprendizagem Ou O Livro Dos Prazeres

*Texto publicado no Jornal Espírito Santo de Fato, em 31/05/2015