quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Habitantes dos outros





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Estes dias, em uma palestra em uma escola, fui indagada sobre o sentido da vida. Tal pergunta realmente me fez pensar sobre o que tenho feito de bacana nesta terra e de que forma tenho contribuído para que este mundo, no qual habito, seja, substancialmente, melhor. Sem dúvida, fico pensando que, como “ bons” mortais, devemos tocar em outras existências.
Devemos passar as frestas e chegar na essência daquele que é tão igual e diferente a nós. Precisamos, com urgência, chegar ao outro, tocar as mais preciosas esferas do coração. E isto não requer de nós equações complexas ou achados de numerologia, apenas que sejamos mais humanos, com menos máscaras e cascas.
Ter empatia, ser altruísta, resiliente, amor ao próximo, generosidade constituem ações de aproximar-se, permitir que a estrela vinda dos olhos e pousada no coração apareça, resplandeça. Somos muito especiais , carregamos muita poesia na nossa vida e história.
Cada um traz consigo uma riqueza de vida, tantos desafios vencidos, dilemas instaurados e ressignificados, alicerces vigorados, enfim, há uma beleza no outro exclusiva e que, de forma ímpar, podemos trazer à tona.
Sou agraciada porque tenho a literatura, a arte que somente ganha corpo e lindeza quando consegue atingir ao indivíduo, quando provoca um estranhamento, uma sensação, indispensáveis para que signifiquemos a vida e o nosso papel diante de milhões de pessoas.
Tocar e permanecer naquele, sustentando sua alteridade, é indispensável para que continuemos acreditar na esperança, para que continuemos enfeitar as janelas com flores, para que o sol aqueça as mais frias tardes e haja crença nas situações, ainda que soturnas.
A admiração no humano e toda sua construção nos dão a possibilidade de veredas e vertentes lubrificadas de respeito, amor e persistência. O querer ao outro, o desejar bem e fomentar sua expansão devem proliferar em nós, em nossas concepções de humanidade. Sem isso, nossa condição de existir sofrerá de raquitismo, e seremos, unicamente, ruínas e desertos.
É isso! Precisamos viver no outro, habitar suas margens, reverenciar suas matizes, poetizar seus universos. Na vivência alheia, plantamos o melhor de nós, trazemos flores e árvores, livros e edições, tão fantásticas que também mudam o curso de nossa história. Respondendo quem me fez a pergunta acerca do sentido da minha existência, acredito que minha vida requer, também, o sonho e a mundividência daquele que me toca e mora em mim.



quinta-feira, 14 de setembro de 2017

A construção do sujeito na (in) felicidade




Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.
 Tenho me assustado com o  número de pessoas que vivem à base de antidepressivos. São indivíduos que precisam tomar medicamentos para dormir, para acordar, para estar bem, enfim, evitar o sofrimento, tão real na vida. Isso acaba, sem sombra de dúvida, por anestesiar o sujeito de si mesmo.
Por outro lado, nunca se vendeu tanta “felicidade” em posts em instagram e facebook, como se os seres humanos fossem obrigados, a qualquer custo e mesmo que, superficialmente, estar feliz e negar qualquer forma de infelicidade. Não há nada mais terrível.
Há uma busca desenfreada pelo amparo, mesmo sabendo que estar vivo já nos coloca em situações de total desencontro. Viver requer de nós embates diários com os diferentes dilemas que nos circundam e, mais que isso, requer que saibamos conviver com os fracassos, pois eles sempre virão.
Não há uma felicidade linear, visto que somos seres oscilantes e que se modificam a todo o momento. Significar-se como um ser que “precisa” a todo instante estar feliz fará com que fiquemos frustrados e tomados, muitas vezes, de prostração e uma densa tristeza. O consumo, as viagens, as festas de fim de semana, o corpo milimetricamente esculpido não farão de você alguém mais completo e pleno.
A felicidade, algo tão subjetivo, é construída de momentos alegres, como projetos realizados, família unida, valorizações, relacionamentos, etc, que nos dão conforto e possibilitam ter perspectivas e sentidos para o que nos propomos fazer. Não viver as perdas- luto (passamos por tantos na vida) nos fazem seres que precisarão de muletas para continuar existindo, pois não significamos o papel da dor no processo de nossa reconstrução. A dor é a oportunidade de crescimento, de estabelecimento de coragem e de vida, fomentando algo indispensável a nós: resiliência.
Neste aspecto, o  mundo contemporâneo tem exigido dos indivíduos uma postura muito mais artificial, alimentando uma vaga noção de felicidade ao poder de compra, à fama, beleza e ao status.  O sujeito é reificado, colocado como produto, algo manipulável e superficial, logo, não ir ao encontro dessa realidade nos fazem destoantes do discurso maniqueísta.
Muitos, desta forma, incorporam uma intolerância à frustração e às tristezas, o que o transforma em um ser cada vez mais doente. Dado o imediatismo, vemos tantos recorrerem ao que poderá amortizar ou adormecer tais insatisfações, mas, o caos permanece ali se não ressignificado.
Nunca estivemos em uma sociedade tão narcisista e hedonista, sem um olhar mais particular para o outro. E essa busca tão desenfreada pelo prazer e felicidade a qualquer preço em detrimento de qualquer outra coisa nos empurra ainda mais para um abismo cada vez mais profundo. Deixamos de ser o sujeito para ganhar ares de objeto, deixamos de ter a poesia gerada também na angústia para desfrutarmos de leituras vazias e de “pseudo-ajuda”, deixamos de conclamar nossos cenários, dotados de caos e possibilidades, para rechear nossas salas de estar com objetos de decoração.
A felicidade é sempre possível, mas, se nego que serei infeliz tantas vezes, deixo de ser  mais humano. Os caos e os confrontos são parte das cascas e calos que marcam e individualizam nossa história, tornando-nos muito mais especiais. Sem caos e embates, não produzirei a minha pérola, parafraseando meu saudoso Rubem Alves.


domingo, 10 de setembro de 2017

Decomposição


Ainda acredito na vida desenfreada, sem prestação de tempos e de acordos com alto preço. Sou dada ao avesso e, por isso, considero novas datas e horas para a alegria em compassos de samba e bossa nova, com brisa que teima aparecer e arrepiar minha pele sobressaltada. Ainda acredito que marés anunciam luas e períodos de frio, que meus pés encharcados embalsam minha alma tantas vezes atordoada que se encoraja toda vez que a manhã se anuncia.
Sei que meu moço- ainda acredito- trará os melhores ventos e encharcará meus olhos com os irrecusáveis perfumes, com a felicidade traçada no cotidiano, com as mãos que se esbarram e procuram os corpos. O abraço convertido em noites sem pressa e muito maiores do que descritas naqueles poemas de verão.
Sou crente de amor real, de amores que desembocam de livros e se anunciam, rastreiam meu jeito, minhas nuances e meu cheiro e simplificam boa parte dos meus cenários elaborados minuciosamente, sem qualquer pretensão.
Acredito no conforto do outro, embora eu seja desconfortável, dado em meio às minhas crises de sangue, de espírito moribundo, de desordem existencial cravada em devaneios. Tenho fé que este amor tratará meus subterfúgios, emergirá nos meus mais infundados momentos e será bálsamo nas feridas que se recusam criar cascas.
Assumo que minha pretensa coragem vem de minha poesia brejeira e sem título, que me seca e encharca.. Da poesia que não recusa os dias insuportáveis nem o princípio da realidade, que se inebria na beira do abismo mesmo correndo os riscos.
Acredito que a vida não se suporta sem as instabilidades e confrontos. E eu não nego que minha existência arredia, solitária e sempre poética seja plenamente possível, seja a crença instituída ou plástica.
Eu sou apenas o gozo que se deseja, a poesia tolerável e sem capas, a moça dos dias mais solares e mais soturnos, a mulher que não se aborta e reverencia o seu melhor amor com todas as flores, semiótica e força, com toda a preciosidade , sol, lua, com todos os universos e os minúsculos. Sim, eu acredito. Simone Lacerda


quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Eu sou aquele que disse: ninguém vive por mim



“Fui procurar viver além de mim” Sérgio Sampaio

Tantos recados esquecidos em gaveta, poesia com poeira, livros em decomposição e gente se desmanchando em náuseas e no mundo comum. Os troféus por uma vida tão óbvia e improvocante são distribuídos sem senhas, a preço de mercado e, por vezes, tão popular. Cansada  de correr paralelo ou na direção sinalizada como não.
Ando desnuda de discurso que entorna, gente que descostura outros cenários e invade meus preceitos e me devolve um pouco de caos, da desordem necessária para que sejamos uma nova edição. Extasiada por tantas mortes mesmo que a vivência mantenha o contrato, mesmo que o cotidiano continue insistindo. Vertentes sampaianas me assombram e denunciam que não há certezas maiores que a desconstrução.
Esta pós-modernidade me toma e alimenta minhas insistências em querer muito mais que um pouco, muito mais que um corte. Veias sobressaltadas, coração em sinestesia, tremuras existenciais anunciam que há muito mais. Versos poetizam que palavras subvertem, músicas cadenciam que tons e melodias provocam, prosas me tomam e escorregam para o outro.
Nada de vida impostora, céu desbotado, gente de graça por aí. Chega de amores mudos e de vozes em coro, chega de poesia posta para dentro, chega de homens esgarçados e alegrias guardadas em caixa. Gritemos amores aos berros, pintemos outros mares e outros céus, tenhamos a poesia na calçada e na fala abusada, sejamos os menos sórdidos e mascarados mortais.
É preciso fugir do espírito de manada, dos vieses impostas nas vozes, dos mofos verdes depositados nos fraques e nos vestidos de seda, da burocracia das verdades, dos cumprimentos para exposição em jornal, do discurso sorrateiro que promulga o que me condena ou me liberta. Quero dessacralizar o que nem posso dizer, os muros inventados para que eu não pule ou  quebre. Quero retirar meus abutres e liquidificar minhas canalhices.
Desejo o não sentenciado e preciso. Não quero afundar minhas amarras e, do oceano profundo, mantê-las entre ouriços e a danada covardia. Viver é querer o avesso, o anteposto e porvir. Nada de almas penosas ou sorrisos amarelos e envelhecidos, nada de ausências anoitecidas e conteúdos prováveis.
Quero a arte reinventada na praça e nas bocas dos artistas. E, de tanto dizer, haja o que pensar. Quero a música colorida nas roupas de inverno, nos homens que dançam sem receio do mundo. Desejo as verdades fora das prateleiras e ditas no povo, os dizeres sem encardimentos e as memórias reeditadas. Eu quero e desejo a não-morte da vida imensurável.

                               ( A arte não morre) 

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Alma poética


Quando eu sair deste quarto sem sol,
ficarei bem.
Quando as marés passarem
e as ondas pararem de bater sobre minhas costas, provocando náuseas,
ficarei bem.
Quando as dores do mundo perderem suas forças,
ficarei bem.
Quando os espinhos se dissolverem de meu corpo e
as paredes não forem ásperas,
ficarei bem.
Quando meus olhos já não marejarem ao som da sua voz,
imponente e solitária,
ficarei bem.
Quando minhas veias não sobressaltarem à minha pele
e intervirem nas minhas mais tenras sensações,
ficarei bem.
Quando violentamente meu coração não se juntar à minha alma
e pulsar em minhas arestas,
ficarei bem.
Quando já puder escrever poemas sem palavras esquizofrênicas,
ficarei bem.
Quando sorrir sem estranhamento,
e eu lembrar dos seus cenários,
dos seus espaços em branco,
ficarei bem.
Quando minhas emoções não se contorcerem
e atearem fogo em minhas entranhas,
ficarei bem.
Quando sua presença resistir a tudo,
e o afeto pernoitar em meu espírito,
ficarei bem.
Quando seu mais bonito amor e coragem atravessarem aquela porta
e a poesia sair de suas mãos e escrever nossa história,
eu ficarei.

( De uma moça para um moço)



quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Sou cortes

         e cenários 
                     
                     da minha mais sensível 
                                                     
                                   e resistente     
                                         
                                                    existência.
De tanto amor,



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 transbordei a alma.



Simone Lacerda

segunda-feira, 26 de junho de 2017

21 de Junho


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Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução.” Machado de Assis
Aos onze anos comecei a ler Machado de Assis. Um tanto ousada para tal leitura, mas me senti seduzida a lê-lo. Lembro que a primeira obra lida foi Dom Casmurro, não entendi muita coisa- ou quase nada- naquela época, mas percebi que “aquele encontro” se daria outras tantas vezes, ou melhor, para uma vida inteira.
Lembro de uma frase dessa obra ímpar que não me saiu da cabeça “ Capitu (…) mais mulher do que eu era homem.” Na verdade, naquela época, não tinha muita compreensão do empoderamento feminino e de como a literatura é capaz de nos mobilizar e fomentar uma reflexão acerca da nossa existência, todavia, a frase circundou em minha cabeça e me fez ver Machado de outra maneira.
Um autor capaz de dar voz ao outro, em especial, à mulher, tão massacrada pelo sistema patriarcal, tão marginalizada pelo discurso alienante e prepotente que constituía a sociedade do século XIX ( e ainda, hoje, dá seus ares). Aquilo me intrigava e me conduzia para que continuasse “descobrir Machado” ou para que ele me revelasse por meio de seus personagens tão intrigantes e reveladores de um tempo.
Capitu me seduzia e, anos mais tarde, em uma leitura um pouco mais madura, continuei sendo alimentada por este “bruxo” do Cosme Velho. A mulher que se revelava forte, empoderada, dona de si e de seu discurso. Um feminino que subverte a sociedade misógina, ainda sustentada, alavanca uma desconstrução do higienismo social e inaugura olhares para a literatura e seu indispensável papel.
Não é meu desejo analisar a obra de Machado aqui ( nem me considero capacitada para tal), mas somente trazer ao leitor a oportunidade, caso não tenha lido, de se encontrar com a obra machadiana, pois, tenho certeza, não lhe permitirá ser o mesmo.
O bruxo revela uma sociedade marcada pelos acordos e jogos sociais, pela hipocrisia reinante e pela superficialidade em prol de poder e dinheiro. Sua escrita é embate, trazendo à tona uma construção literária jamais presente na arte brasileira. São figuras de linguagens, construções gramaticais e demais aspectos linguísticos que subvertem, inclusive, o leitor e sua forma de ler uma obra.
Machado reinventa o discurso, exigindo um leitor eficiente e atuante, sem espaços para uma leitura desavisada. Tal elemento, tão comum nos textos pós-modernos, já é percebido em sua obra ( um autor de vanguarda) e isso eleva ainda mais a literatura machadiana.
O olhar oblíquo e dissimulado de Capitu é a revelação de um tempo desigual e manipulador. É também o instrumento adquirido pelo feminino para que conseguisse existir em uma sociedade que não desejava seu crescimento. Ouso dizer que é o próprio olhar do bruxo para esta sociedade que se mantinha em castelos de areia, em ideologias que beneficiavam poucos.
Seu pessimismo e sua ironia desmascaram uma sociedade alimentada por paletós e festas, por sorrisos que velam mazelas e mentiras. Não há como negar sua genialidade e escrita singular. Um autor que me permitiu construir cenários literários e vigorar meus ideais de existência tendo como mote seu realismo .
Agradeço Machado por me encorajar como leitora, mulher e escritora. Sou eternamente grata por tê-lo encontrado e ter seu discurso como ferramenta para que possa vislumbrar o homem sem cortinas, para que perceba as esferas sociais de forma crítica e autônoma, descosturando a mim mesma a fim de que “ não transmita o legado de nossa miséria” ( Memórias póstumas de Brás Cubas).

Meu sempre bruxo! 

quarta-feira, 21 de junho de 2017

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Preciso.
Sofro, mas preciso.
Tenho fome e não há alimento.
A sede escorre entre mim
e o fogo dissipa o ser.
Danifica a engrenagem
e enferruja o que ficou no prato.
Agonizo o necessário.
Preciso.

A (não) medida do amor

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O amor requer de nós a mais legítima das coragens. Não é definição de dicionário, ao contrário, foge a tal, não é afeto instituído em sermões e poemas, não se comove à expressão ou a dizeres apenas, não é regra. Amar é ato de bravura e a emancipação do maior de todos os afetos. Ele não é cura ou ordem da vida, é entrega, dor, desamparo e conforto.
Sim, ele é ambíguo. Alimenta-se dos esbarros, dos olhares que não fogem de si mesmo, das vontades de estar com o outro, embora haja controvérsias ou impossibilidades. Nada de amenidades, pois não é esse seu desejo. É pele, é alma, é coração, são todos eles em diferentes medidas e em nenhum tamanho. É do amor que desconstruímos e nos atrevemos, sem ele há falência e a covardia mais tola.
Não sejamos submissos ao medo ou ao abandono. Caso o leitor queira um nobre conselho ou um desses avisos desavisados: ame com todas as indecisões e receios, mesmo que não haja nenhuma chance racional, ame com toda sorte ou ausência, mas não negue a si o sentimento mais avassalador e terno, não permita que se esvaia sem viver tão perfeito e angustiante sentimento, a mais legítima das emoções.
Não deixemos de anunciar a mais exata (in) verdade, a perplexidade de toda uma existência, a mais prazerosa das experiências. A poesia que nos sobressalta e nos arranca do senso comum, da vida amornada, da superficialidade dos dias, das margens alienantes.
A quem não ama, entrego-lhe o pior dos castigos: a infelicidade consumada, o barulho ensurdecedor dos mais intensos silêncios, a falta que lhe rói os ossos e suas carnes já desgastadas pelas náuseas de um dia comum, uma vida nivelada, sem sombras e sobressaltos. A vida que se atrasa.
Então, sejamos uma ebulição em vida. Entreguemos corpo e alma àquele que nos fará eternamente gratos e felizes por um segundo ou todos os dias. Não calemos o amor e não emudeçamos o dizer do amor.
Grite, balbucie, soletre, cante ao ser amado que não há nada mais esplêndido e único que amá-lo e não burle o que tão intensamente vive dentro de você. Não fantasie discursos e os versos mais simples. Transforme em linguagem o que clama em seu universo mais interno, o que fará de você um indivíduo tão particular, com experiências que o tornará o melhor que poderá ser em todos os tempos.
Permita-se ser o mais inviável e o mais fundamental para o outro que, sem dúvida, será o responsável por aquelas belezas que saltam dos seus olhos e sorrisos. O amor é a ressurreição dos dias, que, cá para nós, andam em agonia.




segunda-feira, 12 de junho de 2017

Tempo, tempo, tempo


“E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama
escutou o apelo da eternidade.”
Drummond
Tenho percebido que meu dia não tem 24 horas ou que eu não tenho conseguido dar conta de todos os compromissos. Estamos vivendo em remendos, na tentativa- sem sucesso- de costurar o tempo às nossas necessidades. Lembro-me das conversas ao pé de minha avó e mãe, nas contações de histórias, e percebo o quanto o tempo era um personagem tão importante quanto os eventos ditos de forma sorrateira ou com um requinte de adjetivos.
O tempo ganhava peso e a intensidade das emoções era consolidada pela leveza das horas e das pessoas. Eram pessoas que se deixavam ir, permitiam que a vida tivesse outras nuances e invocavam, com precisão, a visita constante do senhor tempo.
Dado isso, fica perceptível lembrar de um famoso poema de Drummond, intitulado “Lembrança do mundo antigo”, no qual temos a visão de um mundo que não mais é visto, um tempo que permitia as pessoas sonharem com mais maestria- não que não fazemos isso hoje- e que “ cartas custavam a chegar e havia manhãs”. Hoje, somos compelidos a cumprir a rotina de uma vida atarefada e que me parece sempre estar atrasada.
Há um pragmatismo em tudo, um utilitarismo desnecessário de atividades que nos afastam mais do outro e de quem somos realmente ( nossa essência). A vida toma rumos descontroláveis e, quando estamos ensimesmados- raridade- percebemos que estamos sendo tomados e pouco restou de nós. Temos trabalho, relógio, hora marcada, e não temos a nós mesmos, nossa alegria em descompassos e vias contrárias.
Penso, muitas vezes, para onde seguimos; qual o motivo de engolirmos a comida e sapos e deixarmos para o próximo dia o que nunca faremos. Somos seres materialistas e esquecemos que o maior está no impalpável, nos deslizes e no incontável. Nisso, lembro-me de outro texto, da Marina Colasanti ( a literatura sempre nos salva), “ Eu sei, mas não devia”, em que vamos nos acostumando, nos “enformando” para que tornemos a vida igual, não ultrapassemos o que nos é permitido, nos é, violentamente, dado.
Neste tempo desenfreado, vamos instituindo lugar as dores, mágoas, pois nos falta tempo para resolver ou sublimamos tudo para que ocupe o lugar devido sem grandes “perdas e danos”. Cansei de ouvir do outro- e dos escapes da minha voz- que não há tempo, não há possibilidade por motivo maior. Vamos deixando de inaugurar momentos únicos e nem damos conta de lamentar ou só o que nos resta é a angústia de não conseguirmos segurar a corda, de danificarmos a esperança sem, ao menos, dar folga ao que nos sufoca.
O momento oportuno para uma conversa vai sendo guardado no armário, a risada desavisada subterfugia na vida do meio, escondida nos escombros, o abraço fica entre os papéis amontoados na mesa do escritório, a poesia, já presente em nós, fica a mercê de tantas escolhas e é deixada para depois. O amparo, o afeto, o querer bem, o que precisa ser dito e sentido vai se estendendo no vazio de uma hora que nunca chega ou só escapa de vez em quando.
O tempo, animal não domesticável, mistério que entremeia entre a vida e a morte, é o senhor de todos nós, sendo nosso braço amigo e aliado, como também o elemento que constrange nossas melhores memórias e devora nossas inconstâncias e importantes devaneios. Como não se lembrar de “Oração ao tempo ( tempo, tempo, tempo)”, de Caetano Veloso? Como não evocar o tempo como o grande compositor de destinos; o grande movimento da nossa estrada vida?
A falta, a ausência, a permanência e o fluxo de tempo são traçados, reflito agora, de uma vida que, ao ganhar aspectos da pós-modernidade, abarca novas vertentes e manifesta outras transgressões. Nada é tão presente- e ausente- neste tempo.
Construímos a identidade sobre cenários sombrios, curvos, oscilantes e sem amparos. E, destituídos de sombra e mares calmos, somos impelidos a remar em correntes contrárias, a inventariar outras formas de vida e tempo. Mas, por favor, não esqueçamos que a vida se desprende fácil e não nos acovardemos frente ao relógio. Mesmo com o passar das horas, tenha um pouco de loucura na alma e não resista ao afeto. E que o tempo te espere!







quinta-feira, 1 de junho de 2017

Danada de bonita


Tenho deixado amarras para trás. Não quero carregar malas pesadas, pois, minha próxima viagem, requer de mim somente a alma com o tecido bem leve. Estou dessacralizando o que me doía por dentro e aprendendo, com certa maestria, agradecer o que me compete hoje.
Estamos adiposos demais, com colesterol de uma vida inteira, que nos impede de olhar o mundo e o outro com uma vertente mais saudável. Aprendo, neste instante, que todas as pessoas que estiveram ou atravancaram meu caminho passaram ( parafraseando Quintana) e me permitiram aprender um “bocado” de coisa.
Sou, sem dúvida, uma mulher muito mais empoderada, dona do meu percurso, da minha desordem e das minhas perspectivas e conquistas. As pessoas que me fizeram chorar, tornaram-me mais dona de meus prantos e emoções, menos sorrateira e bem mais iconoclasta. As que me fizeram rir, me abrandaram de conflitos e dores que, possivelmente, corromperiam meu coração e o que carrego de mais ameno.
As que me ensinaram, agradeço pelos hemisférios de indagações e de fome de vida. Sou mais audaciosa com o discurso e menos enigmática nas palavras que não querem ser ditas. As que vieram de encontro, possibilitaram-me outras travessias, outras marés e menos bolores e manchas.
Estou descosturando tudo que me pareceu frustração, medo, tédio, impressões. Não quero carregar coração apertado e corpo inflamado, pois, sabemos, não dispomos de muito tempo nesta terra nem sempre navegável. Não me deixo agonizar mais nas madrugadas nem putrificar meus mais bonitos sentimentos.
As portas estão abertas para que eu possa inaugurar  vertentes; uma nova história, uma nova esperança, recém pousada em meus braços, um novo bem-querer que me faça descansar e vibrar, que me acorde para um novo cenário e para o que nem dei por mim. Minhas janelas recebem, agora, uma brisa que desemboca em minhas entranhas e purifica minha forma discutível de olhar e compreender os fenômenos mais empíricos e mais complexos deste mundo.
Estou disposta. Aliás, sempre estive aqui, desejosa que tudo se reconstruísse e virasse pelo avesso. Não sou adepta de controle social e encargos obesos, estes que me fazem respirar com dificuldade e tiram meu ar de elegância. Não quero sustentar um universo virado de pernas para o ar nem inverter a noção de felicidade.
Talvez, o que busco seja realmente “ uma casinha de sapê” com rede que corta a varanda, temperos que inundam o ar da casa, a poesia trazida de uma prosa feliz de marido e mulher, a expressão dourada de alegria por ter pescado um peixe ou colhido verduras sem agrotóxicos. Eu quero ser a mulher que se acostuma com a felicidade presente naquele esbarro, no escorrer das lágrimas quando recebe notícia inesperada, no poema que acabo de elaborar e que um amigo lê e diz que foi a melhor coisa que fiz.
Não tenho pretensões de lua, nem ares altivos e não negligencio o melhor dos amores. Estes que encontrei na fé corajosa, nos amigos, na mulher-mãe, no cão que me espera todos os dias com a melhor das alegrias, no trabalho que traz norte e materialidade para algumas coisas, na literatura que reinventa a minha existência e dá rumo aos meus sonhos irrealizáveis, na poesia que lubrifica meu espírito, em Deus, em tudo.
Estou voando mais uma vez, mas não desejo voos menores, quero asas grandiosas para meu coração. Desejo a vida cotidiana, sem farpas e frestas, como também, o mais espetacular de todas as coisas. A vida é a poesia danada de bonita!                                                             


sexta-feira, 26 de maio de 2017

A apocalítica humanidade


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A dor no corpo é sacrilégio da alma, e da angústia reinventamos nosso caos, nossa prece nem sempre santa. Somos dogmas fragmentados e dosagens de virtudes nem sempre bem sucedidas. E, na desordem, depositamos falsas esperanças de quem sabe amanheceremos menos danosos.
O caos revigora as instabilidades instituídas em um mundo tão estranho e contemporâneo, o espaço instalado no vazio e na ausência que se perpetuará em qualquer espécie, em qualquer esfera, em qualquer sujeito. Somos danosos demais para não subverter o provável e o condicionante.
Perdemos os amparos e os subterfúgios e inauguramos uma turva compreensão dos sentidos. E que sentidos são estes? O que sentenciamos para a vida? O que esperamos nascer? Tantas lacunas e tantos vãos na existência, tantas problemáticas e os reversos depositados em nossas moradas. Andamos demais e não há espera. Ou esperamos em cenários extasiantes.
E, nestes errantes e problemáticos caminhos, segue o homem e seus resquícios de humanidade, tão rareada e negligente. Uma humanidade que tem causado danos insustentáveis e irreversíveis a seu espelho, às suas partes presentes nos outros. Somos cascas dissolvidas em soda cáustica, líquido viscoso e imprecisões momentâneas.
E perambulamos, calcificamos sonhos e rasgamos os tecidos que nos cobririam de uma possível felicidade, nos confortariam nos dias mais chuvosos e de aspecto mofado. Comemos do fruto mais proibido e mordemos a fruta mais roxa, menos úmida e de aspecto putrificado, a que nos causarão as sensações mais nauseantes.

E nestas vertentes, sombreadas e endurecidas, encaminhamos nossas crendices e verdades, sutis e sufocantes, serenas e “terremóticas”. Somos humanos demais para não investir e angustiantes demais para não querer. Somos desejosos de vida, e que esta seja abundante nas vielas, parques e universos. 

quinta-feira, 11 de maio de 2017

De algum lugar ( ou lugar nenhum), 11/05/2017.


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Caro amigo,
É com ar de lamúria- e excesso de cansaço existencial- que proponho dizer a você o que anda acontecendo conosco. O que temos “engolido” e, indispostos, temos estado em náuseas e enjoos de uma vida nada amena.
Nossa política tem sujado a bandeira-pátria. São algozes e mercenários a favor, não da sociedade e Estado, mas de seu próprio umbigo. São maníacos do poder egoísta e nefasto, que desejam, somente, saciar seus desejos mais sombreados e sorrateiros. São desejos que sujam de sangue e de mau-caratismo o que restou de democracia e de construção social igualitária e altruísta (esta desconhecida por eles).
Meu amigo, vivemos um jogo lascivo de intolerâncias e pseudo liberdade, no qual somos julgados e retalhados ( com cortes profundos) por pensarmos e agirmos às margens. Por estarmos de encontro ao que querem dizer com nossas vozes.
Eles consideram inviáveis “estar fora da caixa” e relativizar dilemas, reflexos e seus espelhos. Para eles, considerar é apenas suposição e, segundo suas ordens, os critérios devem estar estabelecidos, sem qualquer hipótese de deflagração.
Caro, não tem sido fácil andar por entre as pólis, navegar em mares não navegáveis e divagar sem nenhum peso. O fracasso é, para eles, a assinatura de canalhice e covardia, não mais o que tantas vezes consideramos até em canções e poemas o reverso das velhas andanças. Não mais as tentativas de aprumar o barco nem uma nova possibilidade.
É danoso estar entre tanta gente barata, que se dispõe a dar seu preço em relações que são desenhadas como negócios e construções de impérios. Ter que inventar um sorriso enquanto a alma agoniza ensebada de frustrações por apoteóticas intolerâncias e fantasias de respeito.
É amigo, sei que sua ausência é pernoitada em minhas sensações. Reclamo sua presença porque a inviabilidade de jardins e seus perfumes tem se mantida pulsante em minha emudecida existência. Minha voz tem se calado e o silêncio tem sido, constantemente, o som mais alto e rompante que costumo ouvir.
Estamos, neste tempo, revestidos de um anestésico que é capaz de diminuir nossos batimentos, desacelerar o que corre nas veias e retardar nossos propósitos. Assumo estar enclausurada por estes portões e me mantido entre as cortinas que, muitas vezes, é o meu único esconderijo.
Continuo, aqui, esperando sua volta, embora tenha uma certa compreensão de que seu momento não virá; você continuará perplexo em seu próprio cenário esperando que os homens recuperem a memória de seu tempo, que ficou tão perdido. Ah, continuo desejando uma poesia que acorde todos eles. Desculpe por ainda acreditar.
Um abraço na sua alma que me inspira.
Simone






quarta-feira, 26 de abril de 2017

Farta!



Cansada das frutas mofadas,
dos homens inertes,
das vozes sem som,
das mulheres e seus cortes.
Tanta coisa para arar
e cenários desmanchando,
gente propagando ecos,
verdades vendidas,
mentiras anunciadas,
idéias mercenárias.
Indecente é o homem de gravata
pernoitar seu caráter:
venda ou mate!
Sentenciar a morte,
revender a sorte,
negociar o povo.
Imoral  é ver a Nação
resignada,
massacrada,
renunciada.
Há flores no quintal,
sorrisos e abraços
bordados em tantos
e o sujeito em seu plano mais boçal,
calando a vida ( geral),
rabiscando os punhos,
refutando os mundos.
Desejo a melhor parte,
um mundo novo- sem gado.
Homens sem amarras,
que não descartam a esperança,
nem tão pouco descascam a face.
Quero dos dias a justiça,
a ressurreição da crença,
o amparo para a ausência,
a resistência para a luta
e a coragem para isso tudo.