segunda-feira, 26 de junho de 2017

21 de Junho


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Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução.” Machado de Assis
Aos onze anos comecei a ler Machado de Assis. Um tanto ousada para tal leitura, mas me senti seduzida a lê-lo. Lembro que a primeira obra lida foi Dom Casmurro, não entendi muita coisa- ou quase nada- naquela época, mas percebi que “aquele encontro” se daria outras tantas vezes, ou melhor, para uma vida inteira.
Lembro de uma frase dessa obra ímpar que não me saiu da cabeça “ Capitu (…) mais mulher do que eu era homem.” Na verdade, naquela época, não tinha muita compreensão do empoderamento feminino e de como a literatura é capaz de nos mobilizar e fomentar uma reflexão acerca da nossa existência, todavia, a frase circundou em minha cabeça e me fez ver Machado de outra maneira.
Um autor capaz de dar voz ao outro, em especial, à mulher, tão massacrada pelo sistema patriarcal, tão marginalizada pelo discurso alienante e prepotente que constituía a sociedade do século XIX ( e ainda, hoje, dá seus ares). Aquilo me intrigava e me conduzia para que continuasse “descobrir Machado” ou para que ele me revelasse por meio de seus personagens tão intrigantes e reveladores de um tempo.
Capitu me seduzia e, anos mais tarde, em uma leitura um pouco mais madura, continuei sendo alimentada por este “bruxo” do Cosme Velho. A mulher que se revelava forte, empoderada, dona de si e de seu discurso. Um feminino que subverte a sociedade misógina, ainda sustentada, alavanca uma desconstrução do higienismo social e inaugura olhares para a literatura e seu indispensável papel.
Não é meu desejo analisar a obra de Machado aqui ( nem me considero capacitada para tal), mas somente trazer ao leitor a oportunidade, caso não tenha lido, de se encontrar com a obra machadiana, pois, tenho certeza, não lhe permitirá ser o mesmo.
O bruxo revela uma sociedade marcada pelos acordos e jogos sociais, pela hipocrisia reinante e pela superficialidade em prol de poder e dinheiro. Sua escrita é embate, trazendo à tona uma construção literária jamais presente na arte brasileira. São figuras de linguagens, construções gramaticais e demais aspectos linguísticos que subvertem, inclusive, o leitor e sua forma de ler uma obra.
Machado reinventa o discurso, exigindo um leitor eficiente e atuante, sem espaços para uma leitura desavisada. Tal elemento, tão comum nos textos pós-modernos, já é percebido em sua obra ( um autor de vanguarda) e isso eleva ainda mais a literatura machadiana.
O olhar oblíquo e dissimulado de Capitu é a revelação de um tempo desigual e manipulador. É também o instrumento adquirido pelo feminino para que conseguisse existir em uma sociedade que não desejava seu crescimento. Ouso dizer que é o próprio olhar do bruxo para esta sociedade que se mantinha em castelos de areia, em ideologias que beneficiavam poucos.
Seu pessimismo e sua ironia desmascaram uma sociedade alimentada por paletós e festas, por sorrisos que velam mazelas e mentiras. Não há como negar sua genialidade e escrita singular. Um autor que me permitiu construir cenários literários e vigorar meus ideais de existência tendo como mote seu realismo .
Agradeço Machado por me encorajar como leitora, mulher e escritora. Sou eternamente grata por tê-lo encontrado e ter seu discurso como ferramenta para que possa vislumbrar o homem sem cortinas, para que perceba as esferas sociais de forma crítica e autônoma, descosturando a mim mesma a fim de que “ não transmita o legado de nossa miséria” ( Memórias póstumas de Brás Cubas).

Meu sempre bruxo! 

quarta-feira, 21 de junho de 2017

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Preciso.
Sofro, mas preciso.
Tenho fome e não há alimento.
A sede escorre entre mim
e o fogo dissipa o ser.
Danifica a engrenagem
e enferruja o que ficou no prato.
Agonizo o necessário.
Preciso.

A (não) medida do amor

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O amor requer de nós a mais legítima das coragens. Não é definição de dicionário, ao contrário, foge a tal, não é afeto instituído em sermões e poemas, não se comove à expressão ou a dizeres apenas, não é regra. Amar é ato de bravura e a emancipação do maior de todos os afetos. Ele não é cura ou ordem da vida, é entrega, dor, desamparo e conforto.
Sim, ele é ambíguo. Alimenta-se dos esbarros, dos olhares que não fogem de si mesmo, das vontades de estar com o outro, embora haja controvérsias ou impossibilidades. Nada de amenidades, pois não é esse seu desejo. É pele, é alma, é coração, são todos eles em diferentes medidas e em nenhum tamanho. É do amor que desconstruímos e nos atrevemos, sem ele há falência e a covardia mais tola.
Não sejamos submissos ao medo ou ao abandono. Caso o leitor queira um nobre conselho ou um desses avisos desavisados: ame com todas as indecisões e receios, mesmo que não haja nenhuma chance racional, ame com toda sorte ou ausência, mas não negue a si o sentimento mais avassalador e terno, não permita que se esvaia sem viver tão perfeito e angustiante sentimento, a mais legítima das emoções.
Não deixemos de anunciar a mais exata (in) verdade, a perplexidade de toda uma existência, a mais prazerosa das experiências. A poesia que nos sobressalta e nos arranca do senso comum, da vida amornada, da superficialidade dos dias, das margens alienantes.
A quem não ama, entrego-lhe o pior dos castigos: a infelicidade consumada, o barulho ensurdecedor dos mais intensos silêncios, a falta que lhe rói os ossos e suas carnes já desgastadas pelas náuseas de um dia comum, uma vida nivelada, sem sombras e sobressaltos. A vida que se atrasa.
Então, sejamos uma ebulição em vida. Entreguemos corpo e alma àquele que nos fará eternamente gratos e felizes por um segundo ou todos os dias. Não calemos o amor e não emudeçamos o dizer do amor.
Grite, balbucie, soletre, cante ao ser amado que não há nada mais esplêndido e único que amá-lo e não burle o que tão intensamente vive dentro de você. Não fantasie discursos e os versos mais simples. Transforme em linguagem o que clama em seu universo mais interno, o que fará de você um indivíduo tão particular, com experiências que o tornará o melhor que poderá ser em todos os tempos.
Permita-se ser o mais inviável e o mais fundamental para o outro que, sem dúvida, será o responsável por aquelas belezas que saltam dos seus olhos e sorrisos. O amor é a ressurreição dos dias, que, cá para nós, andam em agonia.




segunda-feira, 12 de junho de 2017

Tempo, tempo, tempo


“E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama
escutou o apelo da eternidade.”
Drummond
Tenho percebido que meu dia não tem 24 horas ou que eu não tenho conseguido dar conta de todos os compromissos. Estamos vivendo em remendos, na tentativa- sem sucesso- de costurar o tempo às nossas necessidades. Lembro-me das conversas ao pé de minha avó e mãe, nas contações de histórias, e percebo o quanto o tempo era um personagem tão importante quanto os eventos ditos de forma sorrateira ou com um requinte de adjetivos.
O tempo ganhava peso e a intensidade das emoções era consolidada pela leveza das horas e das pessoas. Eram pessoas que se deixavam ir, permitiam que a vida tivesse outras nuances e invocavam, com precisão, a visita constante do senhor tempo.
Dado isso, fica perceptível lembrar de um famoso poema de Drummond, intitulado “Lembrança do mundo antigo”, no qual temos a visão de um mundo que não mais é visto, um tempo que permitia as pessoas sonharem com mais maestria- não que não fazemos isso hoje- e que “ cartas custavam a chegar e havia manhãs”. Hoje, somos compelidos a cumprir a rotina de uma vida atarefada e que me parece sempre estar atrasada.
Há um pragmatismo em tudo, um utilitarismo desnecessário de atividades que nos afastam mais do outro e de quem somos realmente ( nossa essência). A vida toma rumos descontroláveis e, quando estamos ensimesmados- raridade- percebemos que estamos sendo tomados e pouco restou de nós. Temos trabalho, relógio, hora marcada, e não temos a nós mesmos, nossa alegria em descompassos e vias contrárias.
Penso, muitas vezes, para onde seguimos; qual o motivo de engolirmos a comida e sapos e deixarmos para o próximo dia o que nunca faremos. Somos seres materialistas e esquecemos que o maior está no impalpável, nos deslizes e no incontável. Nisso, lembro-me de outro texto, da Marina Colasanti ( a literatura sempre nos salva), “ Eu sei, mas não devia”, em que vamos nos acostumando, nos “enformando” para que tornemos a vida igual, não ultrapassemos o que nos é permitido, nos é, violentamente, dado.
Neste tempo desenfreado, vamos instituindo lugar as dores, mágoas, pois nos falta tempo para resolver ou sublimamos tudo para que ocupe o lugar devido sem grandes “perdas e danos”. Cansei de ouvir do outro- e dos escapes da minha voz- que não há tempo, não há possibilidade por motivo maior. Vamos deixando de inaugurar momentos únicos e nem damos conta de lamentar ou só o que nos resta é a angústia de não conseguirmos segurar a corda, de danificarmos a esperança sem, ao menos, dar folga ao que nos sufoca.
O momento oportuno para uma conversa vai sendo guardado no armário, a risada desavisada subterfugia na vida do meio, escondida nos escombros, o abraço fica entre os papéis amontoados na mesa do escritório, a poesia, já presente em nós, fica a mercê de tantas escolhas e é deixada para depois. O amparo, o afeto, o querer bem, o que precisa ser dito e sentido vai se estendendo no vazio de uma hora que nunca chega ou só escapa de vez em quando.
O tempo, animal não domesticável, mistério que entremeia entre a vida e a morte, é o senhor de todos nós, sendo nosso braço amigo e aliado, como também o elemento que constrange nossas melhores memórias e devora nossas inconstâncias e importantes devaneios. Como não se lembrar de “Oração ao tempo ( tempo, tempo, tempo)”, de Caetano Veloso? Como não evocar o tempo como o grande compositor de destinos; o grande movimento da nossa estrada vida?
A falta, a ausência, a permanência e o fluxo de tempo são traçados, reflito agora, de uma vida que, ao ganhar aspectos da pós-modernidade, abarca novas vertentes e manifesta outras transgressões. Nada é tão presente- e ausente- neste tempo.
Construímos a identidade sobre cenários sombrios, curvos, oscilantes e sem amparos. E, destituídos de sombra e mares calmos, somos impelidos a remar em correntes contrárias, a inventariar outras formas de vida e tempo. Mas, por favor, não esqueçamos que a vida se desprende fácil e não nos acovardemos frente ao relógio. Mesmo com o passar das horas, tenha um pouco de loucura na alma e não resista ao afeto. E que o tempo te espere!







quinta-feira, 1 de junho de 2017

Danada de bonita


Tenho deixado amarras para trás. Não quero carregar malas pesadas, pois, minha próxima viagem, requer de mim somente a alma com o tecido bem leve. Estou dessacralizando o que me doía por dentro e aprendendo, com certa maestria, agradecer o que me compete hoje.
Estamos adiposos demais, com colesterol de uma vida inteira, que nos impede de olhar o mundo e o outro com uma vertente mais saudável. Aprendo, neste instante, que todas as pessoas que estiveram ou atravancaram meu caminho passaram ( parafraseando Quintana) e me permitiram aprender um “bocado” de coisa.
Sou, sem dúvida, uma mulher muito mais empoderada, dona do meu percurso, da minha desordem e das minhas perspectivas e conquistas. As pessoas que me fizeram chorar, tornaram-me mais dona de meus prantos e emoções, menos sorrateira e bem mais iconoclasta. As que me fizeram rir, me abrandaram de conflitos e dores que, possivelmente, corromperiam meu coração e o que carrego de mais ameno.
As que me ensinaram, agradeço pelos hemisférios de indagações e de fome de vida. Sou mais audaciosa com o discurso e menos enigmática nas palavras que não querem ser ditas. As que vieram de encontro, possibilitaram-me outras travessias, outras marés e menos bolores e manchas.
Estou descosturando tudo que me pareceu frustração, medo, tédio, impressões. Não quero carregar coração apertado e corpo inflamado, pois, sabemos, não dispomos de muito tempo nesta terra nem sempre navegável. Não me deixo agonizar mais nas madrugadas nem putrificar meus mais bonitos sentimentos.
As portas estão abertas para que eu possa inaugurar  vertentes; uma nova história, uma nova esperança, recém pousada em meus braços, um novo bem-querer que me faça descansar e vibrar, que me acorde para um novo cenário e para o que nem dei por mim. Minhas janelas recebem, agora, uma brisa que desemboca em minhas entranhas e purifica minha forma discutível de olhar e compreender os fenômenos mais empíricos e mais complexos deste mundo.
Estou disposta. Aliás, sempre estive aqui, desejosa que tudo se reconstruísse e virasse pelo avesso. Não sou adepta de controle social e encargos obesos, estes que me fazem respirar com dificuldade e tiram meu ar de elegância. Não quero sustentar um universo virado de pernas para o ar nem inverter a noção de felicidade.
Talvez, o que busco seja realmente “ uma casinha de sapê” com rede que corta a varanda, temperos que inundam o ar da casa, a poesia trazida de uma prosa feliz de marido e mulher, a expressão dourada de alegria por ter pescado um peixe ou colhido verduras sem agrotóxicos. Eu quero ser a mulher que se acostuma com a felicidade presente naquele esbarro, no escorrer das lágrimas quando recebe notícia inesperada, no poema que acabo de elaborar e que um amigo lê e diz que foi a melhor coisa que fiz.
Não tenho pretensões de lua, nem ares altivos e não negligencio o melhor dos amores. Estes que encontrei na fé corajosa, nos amigos, na mulher-mãe, no cão que me espera todos os dias com a melhor das alegrias, no trabalho que traz norte e materialidade para algumas coisas, na literatura que reinventa a minha existência e dá rumo aos meus sonhos irrealizáveis, na poesia que lubrifica meu espírito, em Deus, em tudo.
Estou voando mais uma vez, mas não desejo voos menores, quero asas grandiosas para meu coração. Desejo a vida cotidiana, sem farpas e frestas, como também, o mais espetacular de todas as coisas. A vida é a poesia danada de bonita!