“Palavra
puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um
governo, ou uma revolução.” Machado de Assis
Aos onze anos comecei a ler Machado de
Assis. Um tanto ousada para tal leitura, mas me senti seduzida a
lê-lo. Lembro que a primeira obra lida foi Dom Casmurro, não
entendi muita coisa- ou quase nada- naquela época, mas percebi que
“aquele encontro” se daria outras tantas vezes, ou melhor, para
uma vida inteira.
Lembro de uma frase dessa obra ímpar
que não me saiu da cabeça “ Capitu (…) mais mulher do que eu
era homem.” Na verdade, naquela época, não tinha muita
compreensão do empoderamento feminino e de como a literatura é
capaz de nos mobilizar e fomentar uma reflexão acerca da nossa
existência, todavia, a frase circundou em minha cabeça e me fez ver
Machado de outra maneira.
Um autor capaz de dar voz ao outro, em
especial, à mulher, tão massacrada pelo sistema patriarcal, tão
marginalizada pelo discurso alienante e prepotente que constituía a
sociedade do século XIX ( e ainda, hoje, dá seus ares). Aquilo me
intrigava e me conduzia para que continuasse “descobrir Machado”
ou para que ele me revelasse por meio de seus personagens tão
intrigantes e reveladores de um tempo.
Capitu me seduzia e, anos mais tarde,
em uma leitura um pouco mais madura, continuei sendo alimentada por
este “bruxo” do Cosme Velho. A mulher que se revelava forte,
empoderada, dona de si e de seu discurso. Um feminino que subverte a
sociedade misógina, ainda sustentada, alavanca uma desconstrução
do higienismo social e inaugura olhares para a literatura e seu
indispensável papel.
Não é meu desejo analisar a obra de
Machado aqui ( nem me considero capacitada para tal), mas somente
trazer ao leitor a oportunidade, caso não tenha lido, de se
encontrar com a obra machadiana, pois, tenho certeza, não lhe
permitirá ser o mesmo.
O bruxo revela uma sociedade marcada
pelos acordos e jogos sociais, pela hipocrisia reinante e pela
superficialidade em prol de poder e dinheiro. Sua escrita é embate,
trazendo à tona uma construção literária jamais presente na arte
brasileira. São figuras de linguagens, construções gramaticais e
demais aspectos linguísticos que subvertem, inclusive, o leitor e
sua forma de ler uma obra.
Machado reinventa o discurso, exigindo
um leitor eficiente e atuante, sem espaços para uma leitura
desavisada. Tal elemento, tão comum nos textos pós-modernos, já é
percebido em sua obra ( um autor de vanguarda) e isso eleva ainda
mais a literatura machadiana.
O olhar oblíquo e dissimulado de
Capitu é a revelação de um tempo desigual e manipulador. É também
o instrumento adquirido pelo feminino para que conseguisse existir em
uma sociedade que não desejava seu crescimento. Ouso dizer que é o
próprio olhar do bruxo para esta sociedade que se mantinha em
castelos de areia, em ideologias que beneficiavam poucos.
Seu pessimismo e sua ironia
desmascaram uma sociedade alimentada por paletós e festas, por
sorrisos que velam mazelas e mentiras. Não há como negar sua
genialidade e escrita singular. Um autor que me permitiu construir
cenários literários e vigorar meus ideais de existência tendo como
mote seu realismo .
Agradeço Machado por me encorajar
como leitora, mulher e escritora. Sou eternamente grata por tê-lo
encontrado e ter seu discurso como ferramenta para que possa
vislumbrar o homem sem cortinas, para que perceba as esferas sociais
de forma crítica e autônoma, descosturando a mim mesma a fim de que
“ não transmita o legado de nossa miséria” ( Memórias
póstumas de Brás Cubas).
Meu
sempre bruxo!