quinta-feira, 14 de setembro de 2017

A construção do sujeito na (in) felicidade




Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.
 Tenho me assustado com o  número de pessoas que vivem à base de antidepressivos. São indivíduos que precisam tomar medicamentos para dormir, para acordar, para estar bem, enfim, evitar o sofrimento, tão real na vida. Isso acaba, sem sombra de dúvida, por anestesiar o sujeito de si mesmo.
Por outro lado, nunca se vendeu tanta “felicidade” em posts em instagram e facebook, como se os seres humanos fossem obrigados, a qualquer custo e mesmo que, superficialmente, estar feliz e negar qualquer forma de infelicidade. Não há nada mais terrível.
Há uma busca desenfreada pelo amparo, mesmo sabendo que estar vivo já nos coloca em situações de total desencontro. Viver requer de nós embates diários com os diferentes dilemas que nos circundam e, mais que isso, requer que saibamos conviver com os fracassos, pois eles sempre virão.
Não há uma felicidade linear, visto que somos seres oscilantes e que se modificam a todo o momento. Significar-se como um ser que “precisa” a todo instante estar feliz fará com que fiquemos frustrados e tomados, muitas vezes, de prostração e uma densa tristeza. O consumo, as viagens, as festas de fim de semana, o corpo milimetricamente esculpido não farão de você alguém mais completo e pleno.
A felicidade, algo tão subjetivo, é construída de momentos alegres, como projetos realizados, família unida, valorizações, relacionamentos, etc, que nos dão conforto e possibilitam ter perspectivas e sentidos para o que nos propomos fazer. Não viver as perdas- luto (passamos por tantos na vida) nos fazem seres que precisarão de muletas para continuar existindo, pois não significamos o papel da dor no processo de nossa reconstrução. A dor é a oportunidade de crescimento, de estabelecimento de coragem e de vida, fomentando algo indispensável a nós: resiliência.
Neste aspecto, o  mundo contemporâneo tem exigido dos indivíduos uma postura muito mais artificial, alimentando uma vaga noção de felicidade ao poder de compra, à fama, beleza e ao status.  O sujeito é reificado, colocado como produto, algo manipulável e superficial, logo, não ir ao encontro dessa realidade nos fazem destoantes do discurso maniqueísta.
Muitos, desta forma, incorporam uma intolerância à frustração e às tristezas, o que o transforma em um ser cada vez mais doente. Dado o imediatismo, vemos tantos recorrerem ao que poderá amortizar ou adormecer tais insatisfações, mas, o caos permanece ali se não ressignificado.
Nunca estivemos em uma sociedade tão narcisista e hedonista, sem um olhar mais particular para o outro. E essa busca tão desenfreada pelo prazer e felicidade a qualquer preço em detrimento de qualquer outra coisa nos empurra ainda mais para um abismo cada vez mais profundo. Deixamos de ser o sujeito para ganhar ares de objeto, deixamos de ter a poesia gerada também na angústia para desfrutarmos de leituras vazias e de “pseudo-ajuda”, deixamos de conclamar nossos cenários, dotados de caos e possibilidades, para rechear nossas salas de estar com objetos de decoração.
A felicidade é sempre possível, mas, se nego que serei infeliz tantas vezes, deixo de ser  mais humano. Os caos e os confrontos são parte das cascas e calos que marcam e individualizam nossa história, tornando-nos muito mais especiais. Sem caos e embates, não produzirei a minha pérola, parafraseando meu saudoso Rubem Alves.


domingo, 10 de setembro de 2017

Decomposição


Ainda acredito na vida desenfreada, sem prestação de tempos e de acordos com alto preço. Sou dada ao avesso e, por isso, considero novas datas e horas para a alegria em compassos de samba e bossa nova, com brisa que teima aparecer e arrepiar minha pele sobressaltada. Ainda acredito que marés anunciam luas e períodos de frio, que meus pés encharcados embalsam minha alma tantas vezes atordoada que se encoraja toda vez que a manhã se anuncia.
Sei que meu moço- ainda acredito- trará os melhores ventos e encharcará meus olhos com os irrecusáveis perfumes, com a felicidade traçada no cotidiano, com as mãos que se esbarram e procuram os corpos. O abraço convertido em noites sem pressa e muito maiores do que descritas naqueles poemas de verão.
Sou crente de amor real, de amores que desembocam de livros e se anunciam, rastreiam meu jeito, minhas nuances e meu cheiro e simplificam boa parte dos meus cenários elaborados minuciosamente, sem qualquer pretensão.
Acredito no conforto do outro, embora eu seja desconfortável, dado em meio às minhas crises de sangue, de espírito moribundo, de desordem existencial cravada em devaneios. Tenho fé que este amor tratará meus subterfúgios, emergirá nos meus mais infundados momentos e será bálsamo nas feridas que se recusam criar cascas.
Assumo que minha pretensa coragem vem de minha poesia brejeira e sem título, que me seca e encharca.. Da poesia que não recusa os dias insuportáveis nem o princípio da realidade, que se inebria na beira do abismo mesmo correndo os riscos.
Acredito que a vida não se suporta sem as instabilidades e confrontos. E eu não nego que minha existência arredia, solitária e sempre poética seja plenamente possível, seja a crença instituída ou plástica.
Eu sou apenas o gozo que se deseja, a poesia tolerável e sem capas, a moça dos dias mais solares e mais soturnos, a mulher que não se aborta e reverencia o seu melhor amor com todas as flores, semiótica e força, com toda a preciosidade , sol, lua, com todos os universos e os minúsculos. Sim, eu acredito. Simone Lacerda