domingo, 9 de outubro de 2011

NASCIMENTO DOS GRÃOS

Ele se aproximou  e
pediu o tempo.
-algo improvável e escorregadio.
Visgo contínuo e também perturbante.
Não elogiei palavras nem descortinei desejos.
Mais de uma vez, me disse apegos e tentou construir
noções de tempo.
Inaugurei com ele palavras e invadi os medos.
Ele me disse que plantações marcam a passagem do tempo.
Os grãos devolvem a nós o que há de melhor na terra.
Somos grãos dissolvidos em redes, ventos, assombramentos.
Não temos a certeza da colheita.
Milhos e trigos estavam misturados a nós.
Nesse momento, vi ser possível grão, raiz e amor.
Sua delicadeza esperou meu sossego e ele suscitou o que mais queria.
Ainda esperei por suas mãos delicadas e  suas frases benditas.
Explodiram sonhos e embriaguei-me com seus deslizes e suas mãos.
A ele disse haver nove esperanças e alguns grãos de alegria.
E ele revelou ainda ter  felicidade.

domingo, 2 de outubro de 2011

Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
Hoje encontrei dentro de um livro uma velha carta amarelecida,
Rasguei-a sem procurar ao menos saber de quem seria...
Eu tenho um medo
Horrível
A essas marés montantes do passado,
Com suas quilhas afundadas, com
Meus sucessivos cadáveres amarrados aos mastros e gáveas...
Ai de mim,
Ai de ti, ó velho mar profundo,
Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios!
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Mário Quintana


A vida passa... a passos dinâmicos, pulsantes.
Quando vemos, o sol já se foi e a noite nos brinda.
A docilidade dos dias,muitas vezes, ganha rudeza,rotina.
Então,é o momento de pensarmos...”descascarmos  a casca inútil das horas...”e refazermos o caminho.
Tenham em mãos a delicadeza,a serenidade e um pouco de ousadia..
Sejam senhores, mas, às vezes, servos.
Olhem no espelho e vejam a si mesmo: eis o homem, as verdades, a alma.
Construam palavras novas, amizades, verdades e conceitos.
Sejam poéticos. A poesia é a musicalidade da vida, é a beleza deslizando em palavras, sons, imagens.
Invistam nos sonhos, nas brincadeiras,nas gentilezas e no amor
Ah... o amor...ele é a janela para o mundo,o nosso mundo.
Aquele mundo que a gente acredita, que nos torna felizes, mais humanos, mais próximos dos outros e eus.
Sejam sábios.A sabedoria enobrece os mais brutos corações e as mentes.
Estejam perto de quem gostam, estejam próximos de vocês.
Digam bem baixinho: “a felicidade brota aqui dentro!”
Depois gritem ao mundo: Selei um trato,registrado em cartório com a felicidade.
De hoje em diante, tenham um compromisso inadiável de serem felizes.
Não se apeguem a bobagens.
Grandes momentos vão se embora, como rápidos pousos de pássaros.
Perdemos assim grandes vôos.
(Não façamos isso com nós mesmos)
Brilhem!Sejam estrelas, luz.
Ampliem o universo,o espaço.Conheçam...e conheçam-se.
O conhecimento  dimensiona o mundo, dá sentido aos nosso desejos e conquistas.
Ele nos permite ver além dos olhos.
Não se abandonem, acreditem nas possibilidades.
Recheiem a vida, acrescentem sal e açúcar.
Há momentos que necessitamos ser um pouco mais fortes, outros doces, aveludados.
Tenham espiritualidade, fé...este é o sentido maior da VIDA.
Construam casas.Sempre há que se fazer novas moradias, proteções, casulos.
Para ,enfim, virarmos borboletas, belezas únicas,admiráveis.
Sejam pássaros, alcem voos longos...longes....levem sementes.
Sejam poetas, reescrevam histórias, mitos, emoções...deem novo vigor as palavras,
às suas vidas.
Ressuscitem várias vezes,pois a vida  é reconstrução,reinvenção.
Desmoronem-se.Refaçam-se....é assim que nos tornamos melhores a cada dia.
Não deixem de dizer,mostrar,escrever.
Enfim, amem,sorriem,estudem,trabalhem,criem.
Tornem-se um ser humano melhor, mais maravilhoso.Isto é a “belezura” da nossa história.
Reescrevam-se...
Façam sempre a ( re) estréia no palco da sua vida!

Femininos

Disse a Ana que
guardei em mim a Clara.
Trouxe Maria e pensei em Joana.
Helena enviou notícias
de que o mundo sempre
guarda algum inverno.
Discuti política com Andréa e resolvi
indagar mais.
Aparecida alimentou esperanças de que
Letícia poderia ser menos amena.
“ Há que se despir”
O grito silencia portas e janelas.
Coloquei em mim
sabores de Adélia e Hilda.
Desli a Nélida
e aprendi que sobreviver é
estar no caos.
Cristina questionou minha culpa,
e aguardo, com paciência, a visita de Cora.
Recortes ressuscitaram partes
Insondáveis
Imponderáveis.
Elas me inundaram...
  

sábado, 1 de outubro de 2011

Com licença poética
Adélia Prado
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade da alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.


Clarice...

Clarice tornou-se amiga.
Trouxe xícaras de sua viagem,
com detalhes imprescindíveis.
Trouxe liberdade e depositou no meu jardim.
Acreditei que pudesse acrescentar.
A comoção me perturba e
coloca em mim a raiz de um tempo perigoso.
Enriqueço detalhes à não ordem.
O presente de Clarice revigora o
receio da certeza, da arrumação.
As xícaras no armário
alimentam a desorganização do meu espaço.
Embora casa e jardim prontos, sinto-me em estado de refacção.
Estou pronta à desconstrução.
Trago tarefas e incertezas do passado.
Sinto-me escassa,
um relevo consumido pela erosão.
Clarice rasga palavras de felicidade,
Tendências.
Penso, agora, momentos de revelações.
Clarice me cativa.
É dona de si e de outros.
E eu ainda espero esperanças.
Ela denuncia que minha missão
ainda está pra começar.
O ser humano me afeta...
Coloco em mim dúvidas...anseios e doses de esperanças...
Reinvento tempos de sonhar...glórias e linhas de felicidade.
Amanheço em caos e não devolvo tempos.
Espero sempre o pôr-do-sol para sentenciar minha culpa
E esperar por letras de liberdade.
O amor esperou em mim desafios,
Mas abandonei a sorte de amores calmos
Sinto que o mar se agita e não terei tempo para a próxima onda.
Transgredir sempre será espírito de loucura
 Espero ser absolvida.
O ser humano me afeta...
 Aprendi a adocicar e escolher
Acasos enfeitam meu lar e as lembranças que deixei lá fora.
Ainda tento trazê-las...
Acredito não ser tarde para conversas e apegos.
Neste momento, sinto-me em casa...decorando um novo espaço para as lembranças ..os jardins....as esperas..e o banquete
Ainda terei mais humanidade.

Espírito Feminino

Um dia me disseram que ser mulher era perigoso
Fiquei com medo, mas me desafiei
Não que seja forte peituda
É que a resposta estava como martelo.
Ali dentro de mim estava o prego.
Me olhei no espelho
E vi que ter espírito é bonito
As mulheres de minha casa nunca se renunciam,
Costuram remendos, cozinham em banho- maria seus sonhos,
Organizam as tarefas e não se fazem de rogada
É preciso se refazer, fazer a comida, comprar mantimentos e não esquecer do batom
Ah isso minha mãe adora
Foi com ela que vi que ser mulher não e tão perigoso, têm partidas, chegadas, mas nada que não se possa resolver com perfume, batom, felicidade e prudência.
Não sou contra movimentos femininos, mas mulher não precisa se cortar pra ter sua escrita, lugar na fila e independência
É tarefa simples, sem análises complexas, artigos metódicos , sem medo de pisar no chão
Em minha casa, as mulheres são compositoras ....reinventam suas próprias receitas sem consultar livros e glossários
Falam alto, choram, adoram recados românticos, falam de novelas e política,  riem de seus erros, fazem novas propostas.
São MU- LHE-RES!

Denúncia

Comprei um carro, mesmo sem dirigir.
Minha insônia resiste a remédios – eles não alimentam mais minha dor
Não pude ir ao enterro
Muito de mim já estava morto.
Enterro partes a toda hora , já nem realizo mais velórios
Não esqueci o ultimo filme que assisti, me toca a ultima fala do herói
Tentando se resgatar do caos
Queria o amor mais a fama de bom moço... impossível
Pensei nesse momento em mim...aquilo que fui ou demonstrei.
Criamos imagens , encurtamos experiências e não denunciamos afeto.
E deveria ser denúncia... preciso de carinho, que alguém me veja me sinta
É preciso protestar mesmo, se não viramos ilusões de nós mesmos
Pedaços mal feitos alimentados por remédios desconfortos e nostalgias.
O filme trouxe à tona o que não via desde o ultimo naufrágio
Queremos tanto, desejamos inverno e verão e mais um amor que nos aguente  a vida inteira
Não tenho mais paciência nem sono,
Tô a procura do que não conheço, mas tenho vontade
As contas chegaram, e eu ainda preciso resgatar as minhas
Quero viagem, mas não faço as malas
Desejo um amor,
 é isso,
não como do filme, mas aquele que me traga coberta, preguiça, desapego....
me leve ao cinema  pra ver que o impossível também acontece.