Mais Chico
Não
quero morrer por nanismo verbal. Não desejo murchar pela ausência das palavras
ou por ouvir as que perderam o eco. Trazer palavras para perto, dessas que
transbordam, é necessário para que não murchemos ou agonizemos por uma dor que
nos desprendeu.
Então,
para que não sejamos enterrados, ainda que continuemos inspirando oxigênio,
torna-se imprescindível enveredar por boas obras e composições. Dentre tantos
que ocupam o pódio “artístico” musical, com refrãos onomatopeicos e mal
elaborados, encontramos oásis e bálsamo nas canções de Chico Buarque.
Chico,
como gosto de dizer, começou sua carreira como escritor, não é à toa que suas
composições tenham dimensões tão literárias e suplantam qualquer alicerce
musical produzido no contemporâneo. Ele revela, nas composições, gostos
refinados e reflexões viscerais acerca do sujeito, seus outros e todas as complexidades subjetivas.
Não
pretendo, neste texto, teorizar a obra buarquiana, somente, trazer para nós sua
poesia imensurável, servindo de deleite e inspiração para que caminhemos com
mais prazer e lindeza, afastando-nos da ferrenha cultura de massa que atravessa-nos
diariamente. Uma cultura baseada no óbvio e no paladar amargo das letras rasas,
mofadas e descartáveis.
Chico
carrega em suas canções um afeto particular, percorrendo os trajetos do amor
romântico, real e dos ideais politizados e destemidos. Como não repensar o
cerceamento da liberdade e todo o cenário histórico da ditadura na canção
Cálice (1978)? E a letra da canção Pedaço de Mim ( 1978) , que reinventa as perspectivas
linguísticas e poéticas sobre o
sentimento tão coletivo como a saudade...”a saudade é um revés de um parto.”
Não
tem como não se deliciar com a canção Cotidiano ( 1971), a qual recondiciona
nossas considerações sobre a rotina, tão presente em nossa vida . E, nesta
poesia, perde as cascas da banalidade, dando vigor aquilo que está
presentificado. E a canção Uma Palavra ( 1989) que redimensiona o papel do
discurso e da palavra no dito e no que ainda dorme. Como não reverenciá-lo? Um
sujeito que aprimorou, impecavelmente, o universo da construção musical e que
inaugura, por tantas vezes, os espaços da linguagem.
São
tantas canções de Chico, merecedoras de serem ouvidas e lidas, que não cabem
aqui. Nesse cenário de Chico, encontro abrigo e coragem para continuar
poetizando, fugindo das agonias cotidianas e das mediocridades, tão enceradas
nestas novas concepções musicais. Nele, como em outros bons, afastamo-nos dos
agouros e das ladainhas que empobrecem e matam.
* Texto publicado no Jornal Espírito Santo de Fato ( 23/08/2015)