sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Mais Chico

Não quero morrer por nanismo verbal. Não desejo murchar pela ausência das palavras ou por ouvir as que perderam o eco. Trazer palavras para perto, dessas que transbordam, é necessário para que não murchemos ou agonizemos por uma dor que nos desprendeu.
Então, para que não sejamos enterrados, ainda que continuemos inspirando oxigênio, torna-se imprescindível enveredar por boas obras e composições. Dentre tantos que ocupam o pódio “artístico” musical, com refrãos onomatopeicos e mal elaborados, encontramos oásis e bálsamo nas canções de Chico Buarque.
Chico, como gosto de dizer, começou sua carreira como escritor, não é à toa que suas composições tenham dimensões tão literárias e suplantam qualquer alicerce musical produzido no contemporâneo. Ele revela, nas composições, gostos refinados e reflexões viscerais acerca do sujeito, seus outros e todas as  complexidades subjetivas.
Não pretendo, neste texto, teorizar a obra buarquiana, somente, trazer para nós sua poesia imensurável, servindo de deleite e inspiração para que caminhemos com mais prazer e lindeza, afastando-nos da ferrenha cultura de massa que atravessa-nos diariamente. Uma cultura baseada no óbvio e no paladar amargo das letras rasas, mofadas e descartáveis.
Chico carrega em suas canções um afeto particular, percorrendo os trajetos do amor romântico, real e dos ideais politizados e destemidos. Como não repensar o cerceamento da liberdade e todo o cenário histórico da ditadura na canção Cálice (1978)? E a letra da canção Pedaço de Mim ( 1978) , que reinventa as perspectivas linguísticas e poéticas  sobre o sentimento tão coletivo como a saudade...”a saudade é um revés de um parto.”
Não tem como não se deliciar com a canção Cotidiano ( 1971), a qual recondiciona nossas considerações sobre a rotina, tão presente em nossa vida . E, nesta poesia, perde as cascas da banalidade, dando vigor aquilo que está presentificado. E a canção Uma Palavra ( 1989) que redimensiona o papel do discurso e da palavra no dito e no que ainda dorme. Como não reverenciá-lo? Um sujeito que aprimorou, impecavelmente, o universo da construção musical e que inaugura, por tantas vezes, os espaços da linguagem.
São tantas canções de Chico, merecedoras de serem ouvidas e lidas, que não cabem aqui. Nesse cenário de Chico, encontro abrigo e coragem para continuar poetizando, fugindo das agonias cotidianas e das mediocridades, tão enceradas nestas novas concepções musicais. Nele, como em outros bons, afastamo-nos dos agouros e das ladainhas que empobrecem e matam.    


   * Texto publicado no Jornal Espírito Santo de Fato ( 23/08/2015)





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