Quintaneando
E esta minha ternura,
Meu Deus,
Oh! toda esta minha ternura inútil, desaproveitada!...
Sempre quando penso em ternura, vislumbro os poemas de Mário
Quintana, como este: Canção dos romances perdidos (trecho). Temos,
realmente, perdido a ternura, a forma encantada de ver a vida e os
outros. Temos preferido a faca a flores, temos dado tinta às desavenças
ao invés da delicadeza pernoitada em nós. O que tem acontecido? O que
temos acinzentado ou desbotado em nós?
Como diz minha amiga menina-flor Lina Ribeiro, temos perdido o amor,
abortado o sentimento, desnutrindo o melhor de nós. É a ternura
desaproveitada, perdida entre tantas inutilidades que desorganizam nossa
existência. Temos, ao contrário, nutrido o ódio e a deselegância. O
mundo tem tornado as pessoas mesquinhas e egoístas, como mesmo
sentenciou Quintana (poema Canções).
Temos esquecido tantas coisas. Acovardamos o melhor de nós e deixamos
fincarem raízes de amargura, desrespeito e indiferença. Por isso, me
alimento de poesia, de Quintana, de suas palavras doces escorridas de
seus versos e que se apropriam do meu coração. Tantas vezes a poesia me
faz acreditar que alimentar passarinhos e querer asas são tão
necessários para que a esperança e o amor humano voem até a mim.
Tantos confrontos de guerra, tantas falas recheadas de veneno e
elementos pontiagudos que sangram nossa alma mais bonita. Tantas coisas
sentenciadas e ardilosas, tantos entulhos nos discursos. Seria tão
melhor a alegria da poesia diária (poema Oração), dar às almas a poesia
das crianças, do amor puro provindo dos animais, da leveza trazida do
outono, dos coloridos dos verões e do aconchego suscitado no inverno.
Há tantas flores em nós, mas privilegiamos os desencontros, o jardim
das ervas daninhas, as certezas tão irreais, o fruto apodrecido e o pão
bolorento. Não há consolo e a delicadeza, não há maciez. A aspereza tem
aliciado nossos dias, temos dado valor ao diálogo embrutecido, aos
dizeres amargos, com gosto envelhecido e mofado.
Onde deixamos nossa delicadeza? Nossa ternura poética que nos
enobrece, mantém a nossa chama, embeleza a vida humana? Onde esquecemos?
E por que esquecemos? Enterramos em terra infértil e lá deixamos morrer
por falta d’água, falta de adubo? O que nos aconteceu? Indagações que
acabam no vazio, na ausência, nas lacunas que não preenchemos.
A poesia dos nossos dias não é inútil, a ternura não é objeto em
desuso. Nosso caminho continua com flores, continuamos com as estrelas,
com os encantamentos. Encantar-se é indispensável para que acreditemos
de novo e quantas vezes forem necessárias. Para que o sorriso seja
motivo, seja esperança, para que o abraço se torne regra e o carinho das
palavras a poesia nos revelada diariamente. Assim, a ternura sempre
será aproveitada, meu poeta Quintana.