terça-feira, 28 de junho de 2016

Nossa ferramenta diária


Gosto de abastecer pessoas. Gosto de retribuir com os achados que catei entre mundos e jardins ou que foram conseguidos com muitas lutas. Conhecer é encantador, mas dói, exige enfrentamentos e a retirada das sujeiras da covardia. E, desses enfrentamentos, aparo frestas e quinas e trago para o outro o que ficou de presente.
Acredito que já temos cortes o suficiente para continuar trazendo lanças ou disputas desiguais nas corridas da vida. Desejo poesias de inspirações, de amores que estão amanhecendo, de gente de estrela nos olhos. É por isso que luto diariamente. É nisso que fortifico minha escrita, a forma de me desprender das maldades e ter esperança nutrida.
A leitura e a escrita permitem que não neguemos o mal, porém, que saibamos dialogar com as marés e recondicionar o que nos aflige e nos causa paz. O conhecimento alimenta a fé nas pessoas, a reflexão diária para onde caminhamos diante de um mundo mutável e catastrófico.
Vemos a intolerância, o desrespeito, a maldade, a vingança ganharem cenários. Vemos também atos de altruísmo, de felicidade, de carinho, de gentilezas. E o que pretendemos preservar? Acredito que desejamos permanecer com as flores, mesmo que murchem, que queremos a justiça inflamada nos olhos e nas atitudes e o companheirismo nos abraços coletivos.
Conhecer faz de nós seres singulares, pulsantes, os quais sempre se dispõem a renascer, a se inventar. A palavra deflagra, polemiza, reconstrói, ameniza, dignifica. Ela lança as redes e oferece novos portos, ela aproxima e redesenha os olhares para os invernos, as memórias, as expectativas de um amanhã ensolarado.
Lembro com lindeza de meus autores que utilizaram seu discurso para ferramenta de crítica, instrumento de liberdade, aprimoramento de ideias, recortes de anunciação e dilemas, poesia que ilumina a vida e traz canção para a alma, desenhos de sujeitos, enfim, para que o mundo não se conformasse nem tão pouco o homem se tornasse mecânica de manobras e alienações.
Escrevo para que eu tenha remédios, a fim de que meus cenários não se desbotem e eu consiga ver, bem mais que os olhos me sugerem. A escrita possibilita que meus naufrágios não me superem, que minha morte seja renascimento, que minha fala potencialize minhas crenças e meus espaços tenham poesia para que eu possa me apoiar quando muitas coisas estiverem em desordem.
Então, como presente de inverno, ofereço a minha escrita, a minha poesia diária para que não murchemos nem permaneçamos nos marasmos que o cotidiano nos oferece. Não dissolvamos nossos achados, nossas vontades de ter dias mais encantadores. Conheça, busque muito de si e oferte o que fez de ti este indivíduo tão espetacular. Leia, informe-se, escreva, produza e ressignifique o melhor da humanidade.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Nosso epitáfio






Somos agraciados todos os dias pela vida. Sentimo-nos humanos porque somos capazes de respirar, sentenciar e pensar. Ao longo da nossa história, aprendemos, erramos, superamo-nos, lançamos expectativas, descosturamos perspectivas e damos, novamente, os passos, como um constante costurar e desfazer a linha. Mas, temos como certeza traçada a morte. Dela, não conseguimos nos esquivar, disfarçar seu tom, iludir e desinteressar.
Chega o dia que vamos nos escapar. A vida escorrerá e colocaremos um ponto final na  frase produzida durante o fio da vida por nós. Estamos em um novelo que se consome, todos os dias, e que, um dia, não o teremos. E nisso não há divisão. Se, hoje, vemos a sociedade construída  sobre patamares econômicos, nos quais muitos valem pelos bens financeiros que possuem, a morte é capaz de acabar com todos eles.
É nela que nos mantemos iguais, com todas nossas mazelas e insuficiências. A morte é a resposta da vida. A cobrança pela nossa humanidade. O resultado de uma vida inteira. Não a vejo como punição, mas como a verdade para que não sejamos tão egoístas, prepotentes, vazios, arrogantes e ausentes. Morrer é esvaziar-se de toda nulidade, de toda indiferença, de toda rispidez e mesquinharias.
Ela sustenta as desimportâncias de uma vida vazia, corrupta, triste, individualista. Nela, não há dinheiro, altivez, mentiras, posição social, beleza externa, enfim, nossas misérias que gostamos de ressaltar, de registrar nas ações mais grosseiras, mais inúteis. A morte, não aceita por todos, é a afirmação de toda uma vida. Andamos acelerados, devagar, imprecisos ou certos para que, a qualquer momento, encontremo-la no virar da rua. E de que valeram  os passos? O que deixamos?
São indagações fundamentais para que mudemos a partir de agora, para que reflitamos o que construímos sobre nós, pois será isso que se manterá nos outros, nas memórias, nos exemplos, nas conversas memorativas, nos pensamentos que nos farão resistir. Não mais em carne, mas em lembranças, em legados.
Já dizia a canção ( Nuvem Passageira- Hermes Aquino) que somos nuvens passageiras, somos cristais, que, portando de uma vida delicada, poderá quebrar a um instante. Como somos frágeis, não? E tanta gente cometendo atrocidades, vivendo da enganação alheia, retirando os direitos do seu semelhante, deturpando ideias e verdades. Tanta gente que se enche de vazios; de intolerância, desrespeito, abandono, ignorâncias, de não gentilezas e afetos.
Alimentamos o discurso que sabemos da presença da morte, das suas sondagens, porém, na prática, não validamos que a vida e morte estão em linha tênue, em desconstruções, em lacunas diárias. São estes dois hemisférios que podem nos tornar emblemas, iconoclastas como também  desprezo,dores. Em qual hemisfério temos convertido nossos dias? O que ficará para que não morremos também nos olhos, nas vidas daqueles que resistirão a mais dias?
A morte é a canção do dia que atingirá a cada um de nós. Todos viveremos a expressão final, a última frase, o ciclo nos confiado no momento que fomos retirado do  “paraíso perdido”.  Nossa passagem reside nos encontros e despedidas, no que nos tornamos e deixamos, nos abraços e nas lágrimas. Não apequenemos nosso mundo, não endureçamos nossa existência porque o que nos restará será: Aqui, jaz um homem.

Texto publicado no Jornal Espírito Santo de Fato ( 16/06/2016)


quarta-feira, 15 de junho de 2016






Sal da terra


Seiva bruta
que empodera a  terra.
Solo fértil que umidifica a alma.
Água bruta que inebria raízes
e transborda a vertente da esperança.
Chuva crua para o nascimento
das árvores brotadas de  belezas solares.
Sob folhas caídas que denunciam o ciclo
e reinventam hemisférios de metáforas.
Do líquido escorrido das águas resgatadas
dissolve a terra seca,
disseca o enraizado,
evoca o imponderável.
Do escorrido, perpetua-se o grito,
antes adormecido.
Inócuo ao barulho do silêncio.
Potente à surdez de todas as palavras.
Os frutos amanhecidos
solidificam o amálgama dos afetos e
determinam a resiliência dos dias.
Nas folhas, solos, frutos
crescem poemas nascidos e mortos.
Poesia espalhada nas sombras nos cheiros
nas noites sem lua,
nas tardes demasiadamente laranjas
e estrelas recém - chegadas.
Nos dias de ventos embebecidos
pelos rios trazidos de passagem,
o ritual das reconstruções,
dos alicerces virginais
parirão  homens e outonos.
Os rituais de vida
plantados em motes
de lirismos e poéticas
conceberão raízes vivas e apodrecidas
caule nobre e esguio
sementes e frutos inaugurados.
Seiva fértil que escorre nos corpos
e nas rimas
e encharca
o insondável.
 O abismal.
O delírio.
O gozo.
O impreciso.
O sal da terra.


terça-feira, 7 de junho de 2016

Viva Rubem




Todo escritor deseja ser lido. Deseja que sua literatura perpasse além do papel e da grafia e passe a dançar nos olhos e nas almas dos que o leem. Sob esse aspecto, tracemos uma analogia com a crônica de Rubem Braga, de 1967, intitulada “ Meu ideal Seria Escrever...” Como toda a obra magistral de Rubem ( deixemos o sobrenome de lado), esta crônica consegue fotografar a vontade máxima do escritor, que é ser lido, não falo de admiração em seu sentido de fama, mas o querer que suas palavras escorreguem no outro.
Tratando-se de pós- modernidade, vemos que o leitor exerce  mais domínio sobre a obra. Esta, por sua vez, encontra-se mais aberta para que o leitor interfira e consiga penetrar em suas vertentes mais densas. Como atemporal, Rubem, em diferentes escritos, consegue com que pensemos a humanidade nas suas maneiras mais óbvias e mais complexas. Ele consegue extrair dos elementos prosaicos aquilo que nos possibilita repensar, inaugurar, debater, antever, construir, enfim, em sua escrita, vemos o sujeito como indivíduo e objeto, principalmente, nestes tempos caóticos.
No texto já referido, vemos um “querer faminto” em fazer de seu texto  uma solução para todos os males, como um elixir para as problemáticas  da vida humana, fomentando no outro uma mudança de hábito, ou melhor, de vida. Sua ideia registrada, no texto, parte do desejo de colorir a vida de “uma moça cinzenta.” E, a partir disso, deseja que os pares sejam mais felizes, que as pessoas mudem seus comportamentos por conta da sua história e que ela ganhe mundos; viaje espaços e os corações das gentes. “E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras...”, escreveu Rubem.
Novamente, nosso cronista amplia o papel do fazer literário, dimensionando as suas interpretações e impactos provocados nas vidas daqueles que o lessem. Ele sabia que ler bons textos literários faz de um mero sujeito um indivíduo singular, mobilizador e  pensante. E pensar é um verbo de ação tão necessário e relevante quanto amar. Amar e pensar exalam nosso senso de humanidade, nosso senso de justiça, de sensibilidade e autonomia.
Rubem, nosso querido escritor, mostrou neste texto, como em tantos outros, o papel indispensável da literatura na vida dos homens e seus efeitos benéficos na nossa vida prática. A literatura mostra que a vida dos horários, dos ônibus lotados, dos momentos de pressa, dos encontros e desencontros não bastam, pode-se mais. Deve-se mais.
Por meio desta crônica, podemos lançar novos olhares para o objeto literário, para as literariedades, para o que está além das palavras, para o não dito e esperado. Rubem torna-se lupa para as visões atordoadas, arranhadas e envelhecidas. Ele liberta o discurso literário da sua formalidade rançosa e imóvel, reinventa os alicerces dos personagens, libertando-os do comum, ao mesmo tempo em que dá novas propriedades ao escritor acerca da sua obra e seus deslizamentos no leitor.
 Ao leitor, ele dá a chance de acordar de um sono vazio, pobre e de escapismos. Graças a Rubem, temos a possibilidade de recriar nossos ambientes literários, empoderar, mais do que nunca, a vida na escrita e revigorar o papel da literatura                ( primordial) na sobrevivência da sociedade.