quarta-feira, 27 de abril de 2016





Aprendeu a sorrir mesmo que a alma encharcasse .








Ela acreditava todos os dias na poesia.




Foto de Simone Lacerda. Cheiros, ensaios e poesia.
Crença
Mantinha- se na clausura dos corações adormecidos.
Era costume entregar pra Deus o que era danoso demais e nem fazia questão de dar conta.
Tinha sentimentos que rasgavam a alma e sangrava, com bravura, o coração.
Acrescia oração a sua maneira de entender os problemas e acariciar as inconstâncias da vida.
Nada era grado de gente boa. Botava desconfiança nas esperanças postas em conversa de esquina ou de encontros de rua.
Se Deus quiser, respirava, terei tempo para cozer o feijão já separado, o desejo colhido de mansinho e o olhar encostado do amor de trinta anos.
Era muito tempo. Já tinha vencido muitos cortes , descascado batatas, limpado peixes e certezas esquecidas.
Sempre sonhou com o amor, baixinho, nos cantos da casa de parede rachada, de colchão que insistia doer as costas.
Cantava modinhas de menina recatada, criada para servir, para ser do outro.
Passou muito tempo, sussurrou.
Muitas respostas escaparam de suas ideias tão femininas e simples de depositar na vida.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Habito espaços em branco, rabiscando experiências mal resolvidas e inventando poesias e canções em pb.
Intensifico o peso das palavras, as falas orquestradas e os mal ditos de amor.
Redijo doses de audácia e acrescento metáforas às minhas formas de não dizer.
Silencio as promessas que não cumprirei e ecoo o que se mantém em hiato. Tenho náuseas das palavras rançosas, das esquecidas em cestas de pão e que, após pequeno tempo, dão bolores. 
Palavras com fungos se dissolvem rápido em corações endurecidos, com cascas grossas, de veias entupidas e olhares rasos.
Gosto de palavras em papel bonito, mesmo que amassados, mesmo picados, aspecto envelhecido ou resistente à escrita de traço largo, letra grande e escrita com lápis forte.
Desejo a poesia mais fina, temperada, passada em peneira, tirada das notícias improváveis e dos versos escondidos no fim da linha, no livro lido há décadas, naquela página já amarelada. A poesia que, por muito tempo, escapou de mim.
Poesia dos sobreviventes


stop
a vida parou
ou foi o automóvel?


A indagação atemporal poetizada por Drummond  permite uma reflexão acerca dos caminhos que têm se proposto a humanidade. Temos presenciado um crescimento da desesperança e visto uma falência das instituições, tão necessárias para que a sociedade mantenha-se organizada e em desenvolvimento.
O poema questiona, a partir de uma visão antifuturista, a perplexidade instaurada na existência humana, utilizando para tal uma estrutura pequena, mas de uma dimensão enorme. E, utilizando da característica atemporal da literatura, trago estes versos para nossa contemporaneidade. Nunca nos sentimos tão perdidos e descrentes. Realmente, nossas instituições apresentam-se falidas e em estado de agonia.
Acompanhamos todos os dias notícias de política, religião, violência, família, educação, etc, e, infelizmente, a maior parte delas trata de caos e problemas relacionados a essas instituições. São  discursos de intolerância, ódio, corrupção, desrespeito, enfim, palavras abarcadas de significados cinzas e embolorados.
Acreditamos que somos, apenas, vítimas dessa perplexa realidade, mas nossa ausência ou alienação nos fazem também autores deste cenário presente. Tratamos, por exemplo, a corrupção como algo longe, pertinente às instituições políticas, todavia, quando mentimos, colamos em uma prova, furamos fila, falamos mal do outro, estacionamos em local proibido também alimentamos pequenos atos de corrupção que causam em grupo grandes estragos.
Quando não toleramos o pensamento diferente do outro, quando não nos dedicamos a nossos estudos ou trabalho, deixamos de fazer o que estava ao nosso alcance, não exercemos o ato do perdão e nem tão pouco somos gentis, também contribuímos para que a vida pare ou se torne uma erva de danos venenosos.
Somos responsáveis quando não aprendemos votar ou não queremos conhecer política, quando desistimos de ajudar o próximo, quando julgamos a vida alheia no intuito de estabelecer ares de arrogância, quando não lutamos para que melhoremos nossa profissionalização, no momento que nos acovardamos diante de uma situação que necessitamos nos colocar.
Sim. Temos nos acovardados e entregado nossas ideias e ações nas mãos de terceiros. Temos deixados a palavra “stop” assumir o topo dos vocabulários de nossas enunciações e sentenciado nossas fraquezas. Assim, temos nos resignado e descaracterizado nossas perspectivas. Mantemo-nos nas indagações sugeridas pelo poeta e temos enraizado nosso medo ( leiam o poema Congresso Internacional do medo, de Drummond).
No cotidiano, observo as pessoas falando mal das outras, reclamando de serviços prestados, dizendo horrores de representantes políticos, negando ideais democráticos, partidarizando o que deve ser coletivo, realizando tarefas de maneira medíocre, porém, não vejo as mesmas pessoas assumindo falas e ações de mudança, que começam nas pequenas coisas, nas retiradas de pedregulhos que esbarram nos nossos pés.
Acredito que podemos acelerar o veículo, ir adiante, ser resilientes, críticos, compromissados. Sejamos participativos e não as namoradeiras de janelas. E que possamos responder a pergunta de Drummond: “Não, caro poeta, a vida continua. Somos fortes, audaciosos, capazes e com um coração florido de novas esperanças.”




* texto publicado no Jornal Espírito Santo de Fato em 14/04/2016.