terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Ausência de antes

Enchi a casa de poesia,
           aterrei cenários e confrontos,
veiculei mensagens de paz
e anunciei alegria ensolarada.
Nada de guardar versos para mais tarde.
Nem jurar as mais preciosas inverdades.
Dormi o sono dos injustiçados
e daqueles que se anunciam aos goles.
Acrescentei o fermento da receita de bolo
e quis guardar a palavra em plano secreto.
Invoquei o amor mais sincero
E o amor que me negasse a morte
( talvez seja minha maior canalhice).
Refutei os discursos mais óbvios
ditos em covardia.
Quis a coberta esticada na cama
e as louças organizadas por tamanho
e importância.
Desejei a emoção do outro
como o texto que gostei do poeta da revista.
Não quis  as memórias de corrente e
que me aproximam do porão, do caos que ainda teimo dizer.
Senti  náuseas ao adentrar lembranças e
adivinhei o que não quis pensar.
Olhei o cheiro das flores deixadas no primeiro poema e
o odor das palavras que escorregaram e
se fizeram repousar.
Sacralizei o improvável e profanei minhas ilusões.
Agora, não abortarei o mundo que insisto.





A imagem pode conter: 1 pessoa, sorrindo, listras, óculos de sol, grama, árvore, atividades ao ar livre e natureza


                                                                                        

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

DIA SEIS

Não. Não é um dia qualquer. Hoje, é dia seis do segundo mês do ano de 2017. Estou presa em casa, trocando passos e divagando sobre as inconstâncias da vida, o estado de caos e a problemática humana. Sinto-me como se perpassasse o livro Divina Comédia, de Dante Alighieri. Estou entre o inferno, o purgatório e o que será de paraíso.
Ligo a TV, algo raro em meus momentos de sossego ( mas, hoje, não há sossego) e acompanho as últimas notícias. Vejo que meu lugar se enterrou na desordem, na instabilidade e em uma tempestade desconhecida. Desisto. Na internet, campo preferível, acabo de ser informada por amigos e próximos que afundamos, enterramos regras e não sabemos o que será ( lembrei-me do samba- enredo de 1978) .
Como assim? Bandidos na rua? Estamos enclausurados? Uma inversão de espelhos, refletindo a doença que nos encontramos, a degradação do Estado e a presença dos interesses particulares pernoitando acima do coletivo. Vejo tanta coisa, escuto tanta gente, nem sei o que estou fazendo aqui, sentada, sem iniciativa de não aceitar o imposto, o que tive de engolir amargamente. Dói tanto engolir cactos, areia, descaso, violência.
Querem nos ( en) formar como cordeiros prontos para o sacrifício, mas já nos cortamos tanto para ceder aos desejos e desmandos governamentais? Estou cansada, é certo. Sinto-me em Kafka, em sua Metamorfose, agonizando, transformando-me em um inseto, perdida, escondida, rechaçada. O que teremos de nós depois disso tudo? O que restará da sociedade metamorfoseada?
Estamos na angústia, na agonia que não passa. Estamos na clausura e não há a chegada do paraíso. Vi cenas dantescas, visões implacáveis de indivíduos que se venderam como bandidos também. Aliás, se doaram a causa da desonestidade, do roubo, da mentira, da corrupção. E eu que pensava saber quem pertencia a “ faixa de Gaza”; este é do bem, este do mal.
Eu que pensava e confiava em instituições e dormia o “sono dos justos” guardada por um impressão ( que vi ser altamente tênue, enfraquecida, superficial) de segurança e estabilidade. Acreditava que andava em estradas, mas são cordas, guetos, buracos. São orifícios e frestas nos quais tenho me escondido, acorvadado minhas esperanças.
E quem são pessoas do bem? Realmente, vasculho a resposta, tento restituí-la na minha memória e achá-la como um elixir, mas não vejo. Não sabemos quem é o mal e o bem. O que vi foi barbárie. O que vi foi uma população que tomou as rédeas dos marginais e saqueou uma cidade. Roubaram a crença de que o homem é, em sua essência, bom. “ Homo homini lúpus.” É isto que pousa na minha cabeça.
Perdemos a moral que nos costurava, somos ventrículos de um cenário de caos? Barbarizamos com o outro porque nos corromperam?  Tornamo-nos coisas, embarcamos no processo de reificação? Inventamos nossas ordens e desordens, deixamos o social e imperamos os nossos instintos mais sórdidos? Cortamos nossa cabeça e junto o respeito ao que é do outro, à vida que o seu próximo construiu?
Estamos na danação, é certo. Nadamos, neste momento, na corrente do medo, do desrespeito, da injustiça, da falácia, da balbúrdia, do desacato à vida. Neste momento, estou enclausurada, pagando por crimes que não cometi, por um medo que me consome e absorve as forças que ousei ter.
E essa angústia kafkiana que absorve nossos dias. Ainda, sinto que a “ maçã continua apodrecer em nossas costas.”( Metamorfose, Franz Kafka) e que “ sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas ( Congresso Internacional do Medo, Drummond). 
Simone Lacerda