segunda-feira, 12 de junho de 2017

Tempo, tempo, tempo


“E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama
escutou o apelo da eternidade.”
Drummond
Tenho percebido que meu dia não tem 24 horas ou que eu não tenho conseguido dar conta de todos os compromissos. Estamos vivendo em remendos, na tentativa- sem sucesso- de costurar o tempo às nossas necessidades. Lembro-me das conversas ao pé de minha avó e mãe, nas contações de histórias, e percebo o quanto o tempo era um personagem tão importante quanto os eventos ditos de forma sorrateira ou com um requinte de adjetivos.
O tempo ganhava peso e a intensidade das emoções era consolidada pela leveza das horas e das pessoas. Eram pessoas que se deixavam ir, permitiam que a vida tivesse outras nuances e invocavam, com precisão, a visita constante do senhor tempo.
Dado isso, fica perceptível lembrar de um famoso poema de Drummond, intitulado “Lembrança do mundo antigo”, no qual temos a visão de um mundo que não mais é visto, um tempo que permitia as pessoas sonharem com mais maestria- não que não fazemos isso hoje- e que “ cartas custavam a chegar e havia manhãs”. Hoje, somos compelidos a cumprir a rotina de uma vida atarefada e que me parece sempre estar atrasada.
Há um pragmatismo em tudo, um utilitarismo desnecessário de atividades que nos afastam mais do outro e de quem somos realmente ( nossa essência). A vida toma rumos descontroláveis e, quando estamos ensimesmados- raridade- percebemos que estamos sendo tomados e pouco restou de nós. Temos trabalho, relógio, hora marcada, e não temos a nós mesmos, nossa alegria em descompassos e vias contrárias.
Penso, muitas vezes, para onde seguimos; qual o motivo de engolirmos a comida e sapos e deixarmos para o próximo dia o que nunca faremos. Somos seres materialistas e esquecemos que o maior está no impalpável, nos deslizes e no incontável. Nisso, lembro-me de outro texto, da Marina Colasanti ( a literatura sempre nos salva), “ Eu sei, mas não devia”, em que vamos nos acostumando, nos “enformando” para que tornemos a vida igual, não ultrapassemos o que nos é permitido, nos é, violentamente, dado.
Neste tempo desenfreado, vamos instituindo lugar as dores, mágoas, pois nos falta tempo para resolver ou sublimamos tudo para que ocupe o lugar devido sem grandes “perdas e danos”. Cansei de ouvir do outro- e dos escapes da minha voz- que não há tempo, não há possibilidade por motivo maior. Vamos deixando de inaugurar momentos únicos e nem damos conta de lamentar ou só o que nos resta é a angústia de não conseguirmos segurar a corda, de danificarmos a esperança sem, ao menos, dar folga ao que nos sufoca.
O momento oportuno para uma conversa vai sendo guardado no armário, a risada desavisada subterfugia na vida do meio, escondida nos escombros, o abraço fica entre os papéis amontoados na mesa do escritório, a poesia, já presente em nós, fica a mercê de tantas escolhas e é deixada para depois. O amparo, o afeto, o querer bem, o que precisa ser dito e sentido vai se estendendo no vazio de uma hora que nunca chega ou só escapa de vez em quando.
O tempo, animal não domesticável, mistério que entremeia entre a vida e a morte, é o senhor de todos nós, sendo nosso braço amigo e aliado, como também o elemento que constrange nossas melhores memórias e devora nossas inconstâncias e importantes devaneios. Como não se lembrar de “Oração ao tempo ( tempo, tempo, tempo)”, de Caetano Veloso? Como não evocar o tempo como o grande compositor de destinos; o grande movimento da nossa estrada vida?
A falta, a ausência, a permanência e o fluxo de tempo são traçados, reflito agora, de uma vida que, ao ganhar aspectos da pós-modernidade, abarca novas vertentes e manifesta outras transgressões. Nada é tão presente- e ausente- neste tempo.
Construímos a identidade sobre cenários sombrios, curvos, oscilantes e sem amparos. E, destituídos de sombra e mares calmos, somos impelidos a remar em correntes contrárias, a inventariar outras formas de vida e tempo. Mas, por favor, não esqueçamos que a vida se desprende fácil e não nos acovardemos frente ao relógio. Mesmo com o passar das horas, tenha um pouco de loucura na alma e não resista ao afeto. E que o tempo te espere!







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