segunda-feira, 8 de junho de 2015

Contrários


Somos construídos sob as contrariedades. Sabemos o que é agradável, de odor gostoso, de beleza plena porque, em algum momento da nossa existência, tivemos embates com o que nos perturbava ou causava dor e incômodo aos nossos olhos.
Consideramos a felicidade e agarramo-nos a ela visto que, por tantas vezes, dilaceramos nossa alma e arrancamos, hiperbolicamente, nosso coração. Damos valor aos tratados de paz, pois embarcamos em muitas guerras. Endurecemo-nos porque fomos frágeis demais e muitos já se aproveitaram desta ferramenta.
Nisto que o indivíduo é construído: nas dualidades. E, nelas, teorizamos esperanças e acalentamos tempos melhores. Todavia, é sábio validar que os tempos de sangue e de medo fazem-nos  sujeitos muito mais interessantes.
Então, nada de baixar as mãos naqueles períodos de insônia, de cores cinzentas, de casas no tijolo, de descosturas. São nessas neblinas, de vivência na caverna e nesses tempos de frio, que realimentamos nossos ideais e redesenhamos os alicerces, aqueles que sustentarão as nossas casas por muito tempo.
Sabemos reconhecer o doce por conta do sal, do amargo; amamos um bom perfume por detestarmos os odores desagradáveis; acreditamos no bom porque o mal causou-nos dores irreparáveis, com as quais precisamos conviver e não negligenciar.
Lutamos tanto pela vida, por querermos ver estampas de alegria e ouvirmos gargalhadas porque a morte nos sonda e já provamos do seu gosto amargo e suas sentenças. Inauguramos sentimentos do bem haja vista convivermos lado a lado com toda “sorte” de egoísmo, maldade, desesperança, intolerância, desrespeito e abandono.
Clarice, minha inestimável Lispector, abordou, em um dos seus maravilhosos livros*, os quais todos deveriam ler, que precisamos viver apesar dos de, pois é justamente isso que nos impulsiona, nos aproxima do querer o outro lado; o lado que nos seduz e nos faz encantar tanto pela danada da vida.
Aprendamos conviver com nosso desenho das contrariedades; com nossas asperezas e elementos pontiagudos, sabendo que são eles que alimentarão as doses que nos embebedam de flores, leveza, maciez, felicidade, coragem e força, propulsoras das certezas dos novos e bons dias.



*Uma Aprendizagem Ou O Livro Dos Prazeres

*Texto publicado no Jornal Espírito Santo de Fato, em 31/05/2015



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