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Eu não faço literatura:eu apenas vivo ao correr do tempo. O resultado fatal de
eu viver é o ato de escrever.” Clarice Lispector
É
com esta frase que inicio este discurso, que por ora chega-me tão
despretensioso, de flores, de ventos que o libertam ou de anseios que fazem
questão de prendê-lo. Não sou a mais sábia nem medíocre que não possa dar asas
ao que insinuo escrever, ao que pretendo trazer para perto ou afastar de mim.
A
escrita, por vezes, é cambaleante, desliza entre pedras pontiagudas, atropela
sonhos tão bem guardados e segue sem esmorecer, sem qualquer intenção de
resgatar esmolas de um tempo. Ela é alinhada ao que eu vivo ou pretendo, ao que
aguardo e ao que deixei escapar, escorregar de mim.
Graças
a ela encontrei portos e soltei amarras, atraquei e resolvi guiar marés. Dei de
acreditar em tantos símbolos e me tornei tão cética com sentimentos. Ela me
devolve o que perdi há tempo e me arranca as precisões que cultivei com tanto
zelo.
Graças
ao seu arsenal e sua ausência, aproximo de mim e me alieno. Bordo elementos
factuais e enovelo metafísicas, agrado plateias e escapo com minha fiel
solidão. Dou de gritar com força uterina com as palavras que me aproprio e nego
sentenças de existência até minha próxima morte.
Não
sei nada nem creio ter. Não canto o vindouro e nem decreto poemas guardados em gaveta. Sou
apenas a incerteza que perambula nas construções menos observáveis. Não há
mundo em tijolos, organizado com cimento, nem há o que recolher com as mãos. A
vida é apenas isso; o que sempre nos aguarda.
Minha
escrita tem me levado ao acampamento de outras possibilidades. Ela tem amansado
o que explode e tem me provocado a ira.
Não melhoro meus alicerces, sou a invenção do que não me propus ser. E
por conta do caos instalado e do afeto nas manhãs de inconstância, escrevo,
lustro o papel com palavras adocicadas e aquelas com fel, que não cicatrizam a
boca e nem o mais leve coração.
Em
um sábado de dezembro, fui agraciada pelo que permeio e sedimento, ou pelo que
estrago e desconstruo. A coletânea “ Esse oficio das letras”, publicada pela
Editora Cachoeiro Cult, trouxe minha primeira passagem, meu ensaio inaugural no
campo bibliográfico. Pude, por meio
deste livro, significar e reestabelecer o tão importante papel que a escrita
tem em minha vida, nas minhas camadas mais densas.
Vi
que, mesmos sujeitos errantes, com tanto a dizer, mesmo com tantas faltas e
lacunas, temos a palavra como elemento de coragem, de catástrofe, de amor e de
desordem. Temo-la como semente e folha
seca, sedimentada em solo úmido e, por vezes, seco também, como universo
pairando e cômodos empoeirados. Ela que nos enlaça, nos aproxima como vi, nesse
sábado, e nos dá a precisa ideia de
insaciedade.
Somos
mortais demais para desafiá-la, bastando a nós, escritores cachoeirenses, ceder
aos seus mandos e relativizar os impropérios da existência, a poesia
descosturada nas banalidades, as vertentes que nos sustentam e o afeto que nos
permite sentir. É a escrita- a tentativa
de vida- que permitiu a tantos presentes, na manhã de sábado, olhar o outro e
reinaugurar importâncias recolhidas de uma prosa, um poema, uma história.
Agradeço
a Deus, à vida, à Cult, por alimentar minha escrita e recolhê-la. Recolhida e
tratada, escorre no papel e costuma deslizar entre outros olhos. São nestes
olhos que perpetuarão tantas palavras e outras que, ainda, desavisadas,
permanecem por aí. Sou feliz – ou quase- porque escrevo. Obrigada!
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