Há
dias que os nervos fervem. O ônibus lotado, o trânsito que parece
fotografia, tamanho estaticidade, as pessoas que nos esbarram em
pleno calor e você, ali, fingindo possuir a maior das paciências (
o que não condiz com a realidade) para não transparecer seu estado
de ira, de raiva em último grau. Por dentro, ferve-se tudo.
Pensa
como seria bom se houvesse menos pessoas na fila que você precisa
enfrentar -que penitência!- justamente na hora do seu almoço. Com
fome, exausta, cheia de funções a serem realizadas ao longo do dia
e a senhora graciosa ainda vem puxar assunto. Ou você se
torna”obrigada” ouvir peripécias de uma jovenzinha ditas ao
telefone em alto e bom som.
Nesta
hora, são
necessárias
muitas sessões de respiração, ler aquele livro que sempre trago
comigo na bolsa, inventando, assim, um bálsamo em meio ao caos do
cenário urbano contemporâneo. Ler possibilita o corte do vínculo
de tantas coisas e a costura de outras ligações também. O estresse
acumulado de horas é resolvido em um relacionamento íntimo com a
leitura, percebendo que o mundo é muito mais que uma fila ou a
buzina ensurdecedora de um “educado” motorista.
O
calor derrete suas ideias e faz de você um ser de cara cansada e sem
grandes perspectivas de um dia feliz. O trabalho é outro momento
árduo. A impressora quebra, o documento separado no dia anterior
para posterior análise não se manteve armazenado no local de
destino, seu colega de trabalho resolve acordar com a cara feia,
zangado com o mundo e o ambiente se acinzenta, perde brilho e leveza.
O
tempo não retira suas cascas, e o horário de partida perdeu-se em
outro lugar. Não há como resistir. Você desconta no pobre vendedor
de picolé que, por sinal, não tinha o seu preferido e o preço do
gelado aumentou de novo, mas meu salário se manteve nos mesmos
dígitos. Pobre de mim!
Disse
umas verdades a ele. Não titubeei em reclamar do preço e da falta
do meu picolé. Ele adoçaria um pouco este dia turbulento e
amenizaria essa tendência a calor que tem a nossa cidade. Ele me
olhou com olhos estupefatos, desculpando-se, é claro, haja vista eu
ser uma cliente “das antigas”. Mas, neste dia, não desculpei.
Fi-lo sentir que era o responsável pelo meu dia nefasto.
Acabei
por me atrasar na saída do trabalho, procurando o tal documento. Em
vão. Deixei para amanhã. Às vezes, é melhor deixar para amanhã o
que não pode-nem deve- ser resolvido hoje. Novamente, o trânsito em
guerra. Gente reclamando, pedestre que desconhece faixa, buzinas,
semáforos
que, tenho certeza, duram uma eternidade e eu no meio disso tudo.
Pensei
nas minhas últimas férias, nos números da mega-sena que fiz o
favor de não acertar, na poesia de Quintana, Adélia e Drummond que
tanto amo, nas declarações simples e sinceras ditas pelo meu
namorado que tanto fazem bem, pensei na alegria que encontraria em
casa quando brincasse com minha bebê de quatro patas, pensei,
pensei, e a ira, de alguma forma, neste momento, se abortava de mim.
Mas,
lembrei de tudo que tinha que resolver no dia posterior, nas contas
não pagas porque o dinheiro não deu, nas injustiças vistas
rotinamente, no político que repete os agouros e dá para ver, na
cara, sua imbecilidade e suas mentiras,porém, eleito, nas misérias
que encobrem tantas vidas, na falta de amor e cuidado com o outro,
nas crianças abandonadas. Tantas coisas ou a falta delas. E eu ainda
tinha o amor de minha família e de meu moço bonito, nada mais justo
que agradecer e respirar fundo porque amanhã seria mais um dia.
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