Expurgo
Cabiam
mais e mais de mim neste papel amassado, mas não havia pretensões de certezas na
escrita que teimava cicatrizar. Era vontade de desaguar, arder, rasgar o que se
fazia pesado aqui dentro. Não tinha mais palavras para serem arrancadas,
dilaceradas e amputadas em partes do meu corpo.
Eu
agonizava entre os rascunhos já amontoados há dias. Pulsava entre os
arrematados sinais de pontuação, entre vírgulas que me deram náuseas. Jamais
imaginaria que a pausa traria a presença do desconforto. Uma ponte foi
desmanchada e não cresciam em mim as possibilidades de um verso extasiante. Nem
um acento, um ponto de exclamação. Era vazio, papel em branco, folhas rasgadas,
tela de computador aberta.
Eu
estava calcificada, vítima de completo limo, de letras que escorregavam e não
previam uma frase, talvez um esguicho de sonoridades, fonemas que se converteriam
em um discurso, mesmo que tosco ou maldito, mesmo que vago ou cheio de pontas.
Nada
era o que tinha. Nada era a palavra que cantava para minhas mãos, agora,
febril, trêmula, desfocada. Nada era o que me convertia e desafiava.
Nada
era minha prestação de contas ao papel, era o que me causava repulsa e me
violentava.
Tantas
cabiam nos versos de amores mal ditos, muitas se intitulariam nos poemas de
conveniência e de falta de justiça. Daria para que partes não fragmentadas
pousassem nas lâminas daquelas palavras de avesso, de duas faces ou de
significados abomináveis.
Várias
se venderiam aos poemas mais sórdidos, às juras de amor não declaradas ou
anestesiadas. Algumas não se importariam em servir de rima para os mistérios da
alma, do mundo anunciado aos quatro cantos. Alimentariam sua poesia de dor mal
curada ou emoção de parto não sentenciado.
Eram
tantas que habitavam nos meus corpos amanhecidos e de lua. Eram as que
pretendiam morar no poema que não tive, no poema que abortou outros que não
vieram. Não tive suas companhias. Nem tive caso mal amado. Meu papel e todas as
lacunas mantiveram o estágio letárgico, de plena depuração.
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