Sangues e
vulcões
Sempre vi as coisas pelo avesso. Nunca me intimidei com os incômodos e com os
objetos fora do lugar. Consegui, todas às vezes, tirar coelhos da cartola e
cartas da manga. Descer despenhadeiros era de praxe, como coletar agulhas em
palheiros. E para conseguir um pouco de ar frente ao caos, recorria aos meus
livros de cabeceira e da estante também.
Neles, ora sim ora não,
encontrava mãos que me afagavam, cortes nas mãos e obscuros pretensiosos. A
literatura demonstrava ser capaz de me
dar escape e um pouco de desordem, só para garantir. E nela inventava ser coisas
e seres que eu era mesma, mas minha”cotiadianisse” não deixava experimentar. Se
estava despencando, lá ia eu aos prantos para os livros, se tivesse conseguido
bonificação em alguma esfera da vida, também batia a porta na casa dos versos,
as gargalhadas, para entregar minha alegria.
Construí, nesses episódios, meu
caso, sem divórcio, com a poesia. Noites e dias, em dores e sucessos, ela
estava lá, servindo de ninho, casulo, pai destemido, mãe que acalma, amiga que
escuta. Não sei me entregar tão completamente, tão visceral, como me desnudo
para os poetas, para os versos sem clausura ou escondidos entre uma palavra e
outra.
Assumo também adorar escrever
também. Versos escritos são remédios de sossego e de fúria . Tiro coletâneas
imaginadas e devolvo na tela ou na folha umas palavras bem ditas, mal sentidas
e, por muito querer, provocadas. Ainda sim, escrevo com sangue, com náuseas,
com ideias mirabolantes e com e sem apegos. A poesia lida e escrita me refresca
em meio ao meu calor, às minhas tardes em que o sol não se põe. E, nas noites
frias, com fel, e de vertentes brisas, entrego-me aos versos condolentes, de
amores passados e projetos vindouros; aos escapes que a poesia me oferece como
banquete, às portas e janelas fechadas que ela mesma não deseja anunciar.
Não sei- sou ré confesso-
desvincular meus sonhos, de rimas pobres e raras, da poesia. Daquela que brinca
comigo, me recrimina e me dá conselhos. Em meio às feridas e doenças, cicatrizes
bem postas e sorrisos amarelos, ela vem me laçar, sustentando-me com casa e
comida. A poesia é meu alimento denunciado, meu pranto seco, minha fala
abusada, minha agonia rasgada, meus medos rendidos, minha existência
vivificada. A poesia sangra e cura o que teima nascer e morrer. É nela que me
estanco e entro em erupção.
Texto publicado na Revista Cachoeiro Cult, ano IX, n°53, agosto de 2015
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