Estômago Vazio
“
Não quero a faca nem queijo. Quero a fome.”Adélia Prado
Aproximo
desconfiança de quem só come pelas beiradas. Gente que alinha passos nos
filetes e nem estende a margem. Viver é preciosidade, feito pedra preciosa
tirada do limo, sendo necessário esfregar bem as mãos, limpar, polir e encerar.
Penso, logo, em minha vivente-poeta Adélia Prado que sintetiza a vida como sinal de boniteza; uma delicada
engrenagem.
Sim,
o movimento é que garante a vida. A dança que provoca o cosmos, faz a gente acreditar
na fé e trazer muitas flores para a esperança, minha companheira de longa data.
É dela que retiro o pó dos dias, refaço os rascunhos esquecidos na gaveta e
arrumo, com precisão e detalhes, minha bagunça amanhecida.
Trago
Adélia entre meus versos e dou para mastigar suas palavras. Gosto quando
poetiza que dor não é amargura. E que sua alma nasceu desposada. Dor e alma
tendem caminhar em estradas próximas, trazendo espinhos para a carne, o que
traz invenções para meu jeito de apanhar alegrias e enterrar, no fundo de casa,
aquelas tristezas danadas.
Sou
dada a poesias, costumo engoli-las em doses homeopáticas, mas gosto mesmo de
apreciá-las como prato feito, engolindo, vorazmente, porque costumo ter muitas
fomes, em todas as horas do dia. Como amor com preciosidade, sentindo cada
pedaço para que traga para o coração as vitaminas necessárias.
E
saudade! Ah, saudade mastigo, delicadamente, com medo de escapar... aí, não a
terei mais e ficará o gosto inexato da ausência. E ausência está sempre no
prato como tempero, pimenta forte e verdura mal cozida. Além disso, o medo
deixa a comida salgada demais ou traz aquele dizer insosso. Tira o desejo!
Sei
que viver faz a gente rasgar as costas em paredes rugosas, com pontas
salientes, que chega sangrar e, escorrendo água, a dor triplica. Por isso, tem
tanta gente querendo comida light, sem peso, parede lisa, bem amassada, podendo
passar sem qualquer sentença de risco.
Gente que nem deseja sobremesa e bebida. Gente que prefere criar o óbvio e nem
se culpa por não conhecer a poética adeliana.
Mas,
prefiro correr o risco dos dias coloridos e das fotos em PB. Prefiro o visgo
das horas, mesmo que tenha espectros sondando as tarefas. Não negligencio a
caos nem o paladar amargo. Também sou capaz de equacionar a felicidade e inventar
trejeitos de alegria. Trago seivas de esperança nos olhos mesmo estando
soturnos. Mulher nasce desdobrável, responde Adélia para mim.
* Texto publicado na Cachoeiro Cult, novembro de 2015.
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