Arame Farpado
Sempre
me percebi espreitando as coisas. Nunca consegui me enquadrar em sistemas, mas
não acho danação ser assim.
Constantemente, me vejo às margens, na beira mesmo, tentando dali
observar meus espaços por outro lado. Identifico-me com Drummond e me desenho “gauche”
na vida, nas estradas que construo e mesmo derrubo, nas pontes e vielas que
refaço pra mim. Não me vejo enquadrada nos discursos e nos ecos impostos pelos
outros. Vago, sorrateiramente, entre desníveis e nas impossibilidades e, ali,
reinvento minha não existente forma de ser feliz .
Mastigo
novos desejos e ordens que não sentencio, invado cenários não feitos para mim e
consigo dissimular receios e medos que se misturam nas minhas vestes de
humanidade. Vagueio nas beiras de caminho e não recrimino outras verdades. Nem
procuro me moldar nos potes e rótulos que inventaram e acharam que me
coubessem. Não sou sólida, deslizo demais e desconsidero ser uma mesma mulher
todos os dias.
Gosto
de experimentos, de sentimentos inaugurados em meu corpo e novos braços e
pernas. Espero beijos mesmo sem perdões e sei que sou desajustada, carente de
muitas coisas, que sei não serem saciadas. Não costumo marcar territórios, nem
tão poucos escutar a mesma música . São nos desvãos que tento passar, correr
sei lá... e dizer o não dito, traçar o que nem idealizado foi. Sou do
acostamento, becos e não estradas. Quero sugerir e não delimitar. Os limites
empobrecem as vontades e sou consumista mesmo...
Entre frestas e nesgas, traduzo meus recados
e inundo meus hemisférios. Gosto de dizer quando há o silêncio, quando palavras
cansaram de ser gotejadas. Às vezes, cuspí-las é necessário. Não suporto ouvir
os mesmos vocabulários e as reticências não denunciadas.
Sou
oscilante e variável. Não tenho a solução, mas costumo criar muitas perguntas.
É chato não ter incertezas, é entediante não mergulhar. E nisso estou em me
especializando. Gosto de sentar no chão. Cadeiras e sofás me deixam confortável
demais. E, no desconforto, lanço-me centenas de vezes, todos os dias.
Sou
desajeitada, não caibo em muitas roupas, em modas e em muitas gentes. Mas, me
intensifico com outras, com olhares que se espalham. Gosto de visitar muitas
casas, de ter mais endereços e aproximar-me, embora me afaste com frequência.
Gosto de andar na contramão, entre lacunas e arames farpados, entre o que não
considero e o que considero improvável.
* Texto publicado na Revista Cachoeiro Cult- ano IX- N°49- Dezembro de 2014.
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