Entre
cinzas e cores
Sabe quando você se vê pensando
em situações que não te trouxeram arco-íris nem foram capazes de perfumar seu
jardim? Pois é, neste fim de ciclo, de ano, me desenhei neste contexto,
tentando não deixar que ilusões esquecidas do lado de fora da casa ou pacotes
que já despachei para o lixo pudessem me trazer qualquer cheiro ruim ou
fossem colocados novamente em minha varanda por algum desavisado,pois,
de propósito, tinha deixado escapar para à frente da casa.
Nos últimos dias, estou discursando,
sob a ótica de Clarice Lispector e Hilda Hilst, encontrando-me taciturna,
noturna, nebulosa demais. Mas, costumo, neste espaço ermo, dá uma reviravolta e
ressignificar meu papel na existência. E sei que o caro leitor tem essas
passagens também, talvez não na mesma dosagem, nem na mesma cor, porém, sei que
é comum aos seres se reverem de vez em quando.
Pensei
subidas onde não havia rastros ( Hilda
Hilst- Dos Desejos). É assim que me significo muitas vezes, em uma tentativa de
reinventar esperanças e estratégias de alegrias. Se o sujeito não considerar o
que ainda não é escrito, seremos incapazes de traçar perspectivas de uma
possível felicidade. O que seria de nós sem uma idealização de um tempo ameno,
de uma vida com menos espinhos aparentes?
Neste
tempo de construção de uma nova ordem e de arrumação de gavetas, trouxe para
perto angústias e dores como forma de dissipá-las de vez, sem tempo para que
raízes e cicatrizes deem sinais de uma boa vinda e queiram se aprumar. Sempre
temos medos escondidos em sótãos e cômodos, sempre damos alimento para dúvidas
de plenitude. E costuramos, nessa linha, uma noção fina de humanidade, de ano
novo, de vida nova.
Estou
tentando soltar costuras de roupas usadas e envelhecidas em meu armário. Quem
sabe aproveito os panos para dar brilho nos móveis, limpar o chão. Neste
momento, sei que não cabem em mim, estou com um corpo com outros contornos,
valorizando partes que essas roupas escondiam ou me enfeiavam. Não desejo me
perder, pois seria difícil o planejamento em tempo hábil de um novo edifício, uma
nova casa.
Nossas
dores, leitor, revelam, na verdade, o indivíduo que emancipamos em nós. Elas
demarcam as áreas de conflito, os terrenos minados, desertos, e, o melhor, as
áreas de plantação. O solo apropriado para que consigamos plantar, trazer
sementes e ver o crescimento do que foi cultivado. Não quero revigorar
sofrimentos nem tão pouco dar ouvidos às angústias que caminham perto de nós.
Todavia, sou o que vejo no espelho, nas construções da alma, graças a tudo que
me fez gargalhar e inflamar também.
Desejo
ser coração batendo no mundo, como alinha minha saudosa Clarice, desviando-me ,
quando necessário, do que traz insensatez e tristeza. Embora, elas alimentem
minha sempre vontade de ser feliz e o não desejo de vê-las tocando a campanhia
de minha casa. Nem a sua, leitor.
Nesses
tempos de revisitação, para que haja um novo ciclo, novas perspectivas,
considero a retirada das roupas velhas do armário e dos papéis sem mais
utilidade. Considero a retirada de objetos que só servem para armazenar poeiras
e não causam mais o efeito decorativo desejado. Dessa forma, quero
desconsiderar, como importantes, sensações e assombramentos que, por motivos
diversos, habitaram meus cômodos e meu quarto por algum tempo. Sei que foram
tintas e desenhos necessários para meu quadro. No momento, desintegram-se das
minhas necessidades; construção de pontes que me levarão para a outra margem do
rio.
“Não
sei perder minha vida” ( Clarice Lispector). Esta é a sentença para que
inauguremos um ano bom, com vivacidade, frescor e leveza. Não aceitemos perder
nossas vidas, mesmo que situações aparentem intransponíveis e sem acesso às
novas fronteiras. Desejo que vencemos as dores causadas pela existência e que
sensações cobertas de cor cinza sejam uma das cores que pincele sua colorida e
alegre obra de arte. Querido leitor: Não perca sua vida!
* Texto publicado no Jornal Espírito Santo de Fato- 12 de dezembro de 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário