Presente
de Natal
Vivemos
épocas de festas. Festas que deveriam cobrir nossas almas de sentimentos de
agradecimentos e reflexões. Uma festa de reunião, esperanças e gratidões.
Todavia, vejo faltarem o renascimento e a reinvenção do afeto. Fico bastante
apreensiva e abismada com as criações de felicidade inventadas pelo dinheiro e
seus odores de consumo.
Sinto que
acabamos mergulhando em águas rasas de deveres de compras, de sorrisos irreais
e de uma pseudo forma de agrado. Vemos pernas e braços abastados de sacolas
cheios de produtos e objetos, compondo passos e espaços a fim de que nada- ou
quase- falte para o momento natalino. Embora os braços lotados e as pernas
apressadas, sinto que faltam muitos
caminhos para percorrer, sinto que as sacolas camuflam vazios e ausências que
continuam pernoitando em muitos de nós.
Há
conversas na cidade, barulho de buzinas, gentes estressadas. Uma corrida para
um objetivo não alimentado por presentes. Isso me faz rememorar caminhos
bíblicos, os quais nos deixam bem claro que não precisa palácio se existe a
manjedoura. O Rei refutou a riqueza e preferiu se cobrir de simplicidade e,
mais tarde, de sabedoria. E o que aconteceu conosco?
Esquecemos-nos
da sabedoria e nos cobrimos de prestações e de gastos para que acreditemos na
superficialidade, no desejo e nos afetos comprados, como se só vivêssemos a
experiência do Natal com um sorriso criado, um presente comprado pelo vil metal
e muita comida, a ponto de comermos mais do que realmente”cabe na barriga”.
Percebo
que lamentamos pela frieza humana, pelas grosserias, pelas banalidades e
barbáries, mas achamos que podemos comprar esperanças e renovações em uma volta
pelo shopping e pelos embates da rua lotada de seres que também viraram a
página dos significados da data próxima. Às vezes, sinto-me tosca por também me
aproximar desta sensação do consumo, que, por ora, ameniza nossos desamparos e
nossas frustrações, mas traz à tona o “monstro adormecido”: aquilo que não
conseguimos afastar, aquilo que nos calcifica e nos torna menores.
Sem
dúvida, o Natal ficou como coadjuvante. Compramos pacotes, embrulhos, porém,
sonhos, aconchego, afeto são artigos de luxo, sem chance de promoções ou
parcelas nos cartões de crédito. Fé, família, felicidade são preciosidades
jamais encontradas em anúncios de TV ou em publicidade de internet. Humanidade,
amor, solidariedade não estão em vitrines nem tão poucos nas sacolas
carregadas.
E isso
não pode ser renunciado. Não se podem negociar afagos e palavras benditas por
aquele vestido ou quem sabe por aquele objeto tão querido porque foi mostrado
em um canal de compras. Dessa forma, a humanidade se barateia, se coloca na
superfície de tantas profundidades que ainda potencializam em nós. Nesses desenhos
de consumismos, iludimo-nos e “despoetizamos” os sentimentos advindos nesta
época. Deixamos vencer a aspereza, a insensibilidade e morremos um pouco mais.
O homem
precioso, neste contexto, não renasce, não floresce, como uma planta que
tentamos enraizar e, por mais que tentemos, não vinga, como já dizia minha amada mãe. E, se
continuarmos acreditar que o cansaço das compras, o desgaste das idas e vindas
nos comércios são as atitudes mais indispensáveis, é sinal que já nos vendemos há muito tempo e não
teremos tempo para as singelezas de um tempo tão bonito. Um tempo marcado pela
manjedoura, pela estrebaria, pelo choro de uma criança nascida em Belém, pela
riqueza imensurável de um Rei.
Sejamos,
então, anunciadores e precursores de um Natal diário, no qual haja
agradecimento, simplicidade, paz, harmonia, justiça e alimentos de esperança.
Sejamos nós o Natal que aproxima as pessoas pelo afeto, pelo toque, pelo
sorriso, não pelas compras nem sempre necessárias e que encarecem ainda mais
nosso desejo de um cenário iluminado pela alegria de um mundo melhor e não,
simplesmente, pelos enfeites natalinos que clareiam as noites de nossa cidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário